Raquel é a mais importante personagem do século XX na literatura brasileira para crianças e jovens, sem dúvida alguma, tornando-se um nome forte e único. Não é apenas uma menina, mas o espírito da própria infância vagando entre as dimensões do cotidiano e da fantasia, com seus estranhamentos diante de uma ordem preestabelecida. Nesta obra, escrita em 1976, Raquel deseja descobrir seu jeito, seu caminho, guardando, desde o início da aventura, três vontades: crescer de uma vez, ter nascido menino e escrever. Raquel anseia ter autonomia e responsabilidades, bem suas, perante a vida!
Contudo, para que ninguém veja ou faça pouco de suas vontades, todas as três ela ajeita em uma bolsa amarela, presente de segunda mão de uma tia rica que costuma passar adiante o que não mais lhe convém. E essa bolsa torna-se um esconderijo especial — com acomodações e bolsos para outros personagens que vivem em histórias que a menina inventou, como Rei, o galo que foge do próprio galinheiro, decidido a lutar pelas próprias ideias, e também um alfinete de fralda que precisava ser apenas desentortado e uma guarda-chuva.
Lygia Bojunga encena, com recurso de fábulas e alegorias, temas importantes para uma sociedade mais inclusiva e consciente: o cuidado com a criança e sua autoafirmação num mundo futuro, a família e a escola, o consumismo e a durabilidade das coisas, o autoritarismo e a liberdade de expressão, as questões de gênero, o lugar do feminino e do feminismo, a troca de papéis ou funções no mundo atual, pois é um mundo ainda em constantes mudanças. Neste quesito, um dos pontos altos da narrativa talvez seja o episódio da Casa dos Consertos, onde moram uma menina, um homem, uma mulher e um velho que compartilham das mesmas tarefas diárias, como estudar, cozinhar e consertar objetos, sem qualquer distinção de quem faz o quê... e tudo tão cheio de livros do teto ao chão e tempo organizado.
É enfim uma história de liberdade — contra a opressão e as diferentes formas de repressão.