De um dia para o outro, a criança passou a responder tudo com um sonoro “não!”. Ouvir essa mesma resposta para todas as perguntas pode ser bastante frustrante para os pais e exige jogo de cintura para contornar a devolutiva constantemente negativa. Só que, além do posicionamento contrário aos cuidadores fazer parte do desenvolvimento infantil, ele também é sobre a criança aprender a se posicionar sobre o que gosta (ou não) e ser respeitada no processo. Esse movimento é importante para que, no futuro, ela seja um adulto capaz de impor limites com mais facilidade.
Amanda Rodrigues, pedagoga, psicanalista e neuropsicopedagoga, explica que é esperado que a criança passe pela fase de dizer “não!” para tudo a partir dos 18 meses até os três anos. Segundo o psicanalista Sigmund Freud, essa vivência é um dos estágios do desenvolvimento psicossexual, conhecido como etapa anal.
“Esse nome é usado porque é o período que se inicia o desfralde e também o processo psíquico de controle sobre seu corpo e vontades próprias. Nesse momento, a criança utiliza o ‘não’ frequentemente para expressar sua contrariedade aos pedidos e regras dos pais”, detalha Rodrigues.
O posicionamento contrário aos cuidadores se dá porque é nesse período que a criança testa os limites dos adultos que estão ao seu redor para entender até onde ela consegue ir com cada um deles. Consequentemente, ela descobre quem vai trazer mais benefícios a ela, uma vez que o foco desse período é atender seus próprios desejos.
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A importância de entender o “não”
Ao mesmo tempo, o “não!” aparece como um recurso importante para a criança quando ela está estipulando limites em relação ao que gosta ou não e é preciso atenção dos pais para saber separar essas vivências. Ainda de acordo com Rodrigues, essa distinção se dá pela intensidade com que o pequeno sinaliza que não quer algo.
“Por exemplo, quando alguém está tentando segurar a criança para abraçá-la ou até mesmo fazer cócegas e ela pede para parar. Primeiro, ela verbaliza. Em outro momento, ela sinaliza com gestos: recuando, empurrando, tentando se esconder da pessoa, não a permitindo chegar perto”, detalha a neuropsicopedagoga.
Nesse momento, é importante que os pais apoiem a atitude da criança e sinalizem para o outro adulto a hora de parar. É assim que o pequeno cresce estabelecendo seus próprios limites, com a consciência de que quem o cerca vai respeitá-los. Caso contrário, ele pode apenas sair de perto de quem banaliza suas escolhas.
O respeito dos pais em relação ao “não” da criança, mesmo que eles tenham uma opinião diferente da expressa pelo filho, faz com que ele cresça com a consciência de que não é sua responsabilidade suprir as expectativas do outro — principalmente quando isso envolve anular suas próprias vontades.
Segundo Rodrigues, o aprendizado de colocar limites físicos e emocionais em relação ao outro, a longo prazo, ensina para a criança sobre consentimento, quem ela pode confiar ou não e como ter uma comunicação assertiva. Esses aprendizados vão ajudá-la a ter relações mais saudáveis no futuro, sem ficar permeando entre o autoritarismo e a permissividade.
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5 atitudes práticas para ajudar a criança a impor limites
Se a imposição de limites pode ser um desafio para os adultos, principalmente pelo medo de não agradar ao outro, para as crianças pode ser ainda mais complicado pela falta de recursos emocionais. Para ajudar os pais nesse processo, Rodrigues traz cinco atitudes para mostrar ao pequeno como respeitar a si mesmo. Confira!
1. Incentive o pequeno a falar SOBRE SUAS EMOÇÕES
O diálogo é uma ferramenta primordial para a criança se sentir ouvida e não é diferente quando o assunto é o “não!” que ela acabou de dizer.
Pergunte a ela o que está sentindo, sobre o que a incomodou e o que ela não quer mais que seja feito. Em algumas situações, a criança pode ter dificuldade para responder claramente a essas perguntas. Cabe aos pais fazer o meio de campo, já que eles possuem mais recursos verbais e emocionais do que os filhos.
É preciso cuidado apenas para que as perguntas feitas à criança não a façam se questionar se está errada em não querer fazer algo. O tom de acolhimento é a chave para a validação do pequeno.
2. Esteja sempre na retaguarda da criança
O empoderamento da criança, como alguém que merece ser ouvido e respeitado, ainda é algo que está sendo construído socialmente. Isso significa que, muitas vezes, as falas dos menores são silenciadas e as suas vontades negligenciadas.
Cabe aos pais serem a retaguarda dos filhos. Em outras palavras, quando o adulto presenciar a criança mostrando desconforto diante de uma situação, ele deve ajudá-la a sair dali e entender o que está desagradando-a. Frases como “ela não quer!”, “ela já pediu para parar” e “você pode não fazer mais isso, por favor?” são alguns exemplos do que falar.
3. Ensine o que a criança deve dizer para impor limites
Normalize expressões que, embora possam desagradar ao outro, ajudam a criança a mostrar que não gostou de uma atitude e/ou situação.
Diga que ela pode usar frases como: “PARA, não estou gostando do que você está fazendo”, “preciso de espaço, não estou me sentindo bem/confortável com essa situação”, “não quero mais ficar perto de você”, “não quero mais que você faça isso”, “vou contar o que está acontecendo para os meus pais” e entre outras.
A verbalização tira a criança do limbo de se fazer entendida de forma subjetiva e a coloca como protagonista das suas próprias vontades, podendo dar voz a elas sem medo.
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4. oriente o pequeno a ROMPER COM situações desagradáveis
Os gestos também são fundamentais para a criança demonstrar que não quer algo. Por exemplo, ela pode afastar o outro tirando a mão dele de si e afastando o corpo de quem está tentando tocá-la.
“Muitas vezes, adultos acabam ultrapassando os limites infantis com a justificativa de que ‘é apenas uma criança’. Mas não é. É um indivíduo se posicionando no mundo”, reflete Rodrigues.
O mesmo vale para quando a criança quer se afastar de um colega de classe, por exemplo.
Esses ensinamentos reforçam para os menores que, independentemente da relação que eles tenham com quem não está os respeitando, eles podem romper esse laço. A longo prazo, essa situação elucida para a pessoa que nenhuma relação é mais importante do que o seu bem-estar.
5. Reforce para a criança que ela não precisa ficar ONDE não se sinta bem
A criança pode se sentir desconfortável com a atitude ou fala de um adulto sem saber como se expressar verbalmente logo de cara. Nesse caso, é importante que ela saiba que pode apenas se afastar.
Posteriormente, o adulto precisa dialogar com ela para entender o que aconteceu e ajudá-la a verbalizar suas emoções. Mas se retirar fisicamente de ambientes desagradáveis é um recurso valioso, até mesmo quando somos adultos.
Estante Quindim
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