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Quando o medo do filho é reflexo do medo dos pais

medo

Medo de monstro, medo de escuro, medo de que os pais saiam de perto e até medo de morrer. O medo se manifesta de várias formas ao longo da infância e nos acompanha com outras caras pela vida adulta – medo de não ter dinheiro para pagar boletos, medo de adoecer, de perder o filho, quem está livre, não é mesmo? Muitas vezes, basta um abraço da mamãe ou do papai, umas palavras tranquilizadoras e uma história bonitinha para que a criança se acalme. Em outras, o medo é mais persistente e pode até nos deixar alarmados.

Imagem do livro Tá tudo bem neném, de Emmanuelle Houdart, já enviado pelo Clube Quindim.

Um dos livros da seleção de dezembro do Clube Quindim, cheio de cores e ritmos, fala justamente sobre isso. No livro Tá tudo bem, neném!, de Emmanuelle Houdart, um bebê encontra criaturas um tanto quanto amedrontadoras – de sereia a coelho gigante. No entanto, diante do receio da criança, há uma figura de afeto e confiança para acolhê-la e dizer que está tudo bem, que não é preciso temer. Ou seja, quando o assunto é o medo das crianças, os pais têm um papel muito importante, podendo atenuar ou até intensificar o sentimento.

O medo e a influência dos pais

Uma série de teóricos e pesquisadores defendem que o sentimento de medo e ansiedade que a criança manifesta, muitas vezes, é reflexo do sentimento da mãe. Laura Gutman, psicoterapeuta familiar, aponta, em seu livro A maternidade e o encontro com a própria sombra, que no momento em que a mulher se torna mãe é consumida por muitas angústias e por um luto: despede-se do posto de ser somente filha para ser mãe, diz adeus a uma vida e encontra uma realidade totalmente diferente.

É um período de fusão emocional intensa entre mãe e bebê, de perda de identificação para ser totalmente colocada dentro do mundo do bebê. Tudo isso provoca muito medo, o que pode se manifestar, segundo Gutman, nas reações emocionais do bebê.

“O bebê sente como próprio tudo o que sua mãe sente, sobretudo o que ela não consegue reconhecer, aquilo que não reside em sua consciência, o que relegou à sombra. […] A tendência de todos nós costuma ser rejeitar as partes de sombra que escoam pelos desvãos da alma. Por algum motivo se chama ‘sombra’. Não é fácil vê-la, nem reconhecê-la, tampouco aceitá-la, a menos que insista em se refletir nos espelhos cristalinos e puros que são os corpos dos filhos pequenos.”

Laura Gutman


Dessa forma, diante do bebê que chora sem parar, por exemplo, Gutman recomenda que a mãe investigue a tristeza e o medo dentro de si mesma. É por isso que a psicoterapeuta defende que cada filho oferece à mãe uma oportunidade muito rica de se aprofundar no processo de autoconhecimento. Ela diz: “à medida que uma mulher vai assumindo a própria sombra, observa-a, indaga, investiga, questiona a si mesma, libera o filho da manifestação dessa sombra”.

Como aprendemos a sentir medo

A pesquisadora Célia Regina Rangel Nascimento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou um estudo com 50 crianças e 49 adolescentes, bem como seus pais e mães para entender a relação entre as respostas de ansiedade dentro das famílias. Ela aponta que a ansiedade é uma reação de defesa, e serviu para a sobrevivência do ser humano primitivo, mas hoje reage principalmente a estados psicológicos, em que processos internos são a ameaça.

Nascimento cita também os autores Albert Bandura e Richards Walters, da Teoria da Aprendizagem Social, que consideravam que o desenvolvimento emocional da criança está ligado à relação entre pais e filhos. Para eles, é a família que apresenta os principais modelos de comportamento e de identificação, e assim há a tendência de a criança reproduzir comportamentos, atitudes e respostas emocionais, aprendidas por experiência direta e por observação.

“O medo, por exemplo, pode aparecer não pela experiência pessoal, mas por ver um outro responder com medo a uma situação ou objeto ameaçador.” 

Célia Regina Rangel Nascimento


Dessa maneira, o medo que a criança manifesta pode não só refletir uma angústia dos pais, mas também pode ser reprodução de um medo dos pais ou da forma como os pais respondem a um medo. O estudo de Nascimento aponta para esse efeito, com sutis diferenças entre gêneros e idades. Mais uma vez, portanto, há a necessidade de que os pais olhem e analisem as próprias angústias. Para assim aliviar e acolher o que as crianças sentem também.

Veja também: Medo na infância: como a literatura pode espantar os fantasmas debaixo da cama

Não alimente a culpa

Possivelmente um dos maiores desafios de ter filhos é ver nas crianças o reflexo das nossas dificuldades e inseguranças, e com o medo não é diferente. Pode ser muito angustiante se dar conta de que uma fase complicada ou um temor nosso é transmitido aos pequenos, algo capaz de gerar enorme culpa.

Entretanto, sempre que possível, vale escapar desse sentimento tão opressor e contraproducente. Em vez disso, capriche no acolhimento e no afeto quando seu filho demonstrar medo, e não economize no colo: para você e para ele. Afinal, somos humanos, fazemos o melhor que podemos. E, ao admitir que sentimos medo e que também somos frágeis, nos humanizamos para as crianças e mostramos que elas também podem aceitar suas limitações.

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