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Literatura como prazer: como incentivar a leitura além da obrigação

Mãe e filha lendo literatura como prazer

Sentar lado a lado com o filho, abrir um livro, ler e viajar junto com o pequeno pelas páginas da história… tem coisa mais gostosa? Muitos pais, mães e educadores se preocupam em utilizar a leitura como uma ferramenta capaz de estimular a criatividade, o senso crítico, a autonomia e o desenvolvimento cognitivo da criança. Tudo isso acontece, porém, naturalmente, quando temos a literatura como prazer.

E então fica sempre a dúvida: como incentivar seu filho sem transformar a hora da leitura em um momento de obrigação? Qual livro escolher para estimulá-lo? O que é melhor para cada idade? Renata Junqueira, livre-docente da UNESP e curadora do Clube Quindim, tem vasta pesquisa sobre a formação do leitor. E achou uma brecha de tempo enquanto faz seu pós-doutorado em Portugal para aprofundar um pouco mais esses assuntos conosco. Confira!

Quindim: Qual é a importância de inserir a leitura na vida de uma criança?

Renata Junqueira: São muitas. Quando lê, independentemente do gênero, a criança vai guardando as informações do texto, da leitura. E, então, isso fará parte de seu conhecimento prévio, ou como define Vigotsky, de seu conhecimento anterior. De modo geral, várias pesquisas comprovam que as pessoas utilizam seus conhecimentos prévios para compreender um texto e, além disso, para compreender o mundo a sua volta. Nesse sentido, conhecimento prévio é uma estratégia metacognitiva de compreensão leitora.

Uma outra vertente de estudos, essa mais ligada à literatura e ao letramento literário, afirma que a leitura literária humaniza o sujeito. Despertando em nós sentimentos e emoções. A pesquisadora Ana Arlinda de Oliveira, por exemplo, enfatiza em sua tese de doutorado as possibilidades que a literatura traz para o leitor vivenciar seus sentimentos. Inclusive aqueles mais conflituosos:

“Como a leitura entre as crianças estimula sempre o diálogo, as trocas de experiências de vida, os gostos e desgostos, a literatura ultrapassa os limites escolares, pois com seus temas é capaz de contribuir para ajudá-las a vivenciar e entender sua interioridade e sua inserção na cultura literária. A escola perde ao cercear os temas existenciais, entendidos como aqueles que abordam a morte, o medo, o abandono, as separações, a maldade humana, a sexualidade, entre outros.”  (OLIVEIRA, 2010, p. 42)

“A leitura gera conhecimento prévio, que será usado para compreender outros textos e o mundo ao seu redor. Já a leitura de literatura vai além: ela também humaniza o sujeito.”

Q.: Podemos apontar benefícios diferentes para cada idade?

R.J.: Isso é muito relativo. Alguns autores, como, por exemplo, Ricardo Azevedo, criticam a compartimentalização da literatura em faixa etária. Pois, tratando-se do texto literário, falamos de obra aberta, e cada leitor atribui um sentido a esse tipo de obra.

No entanto, não podemos negar que cada faixa etária tem fases de desenvolvimento. Betty Coelho, Vera Aguiar, Richard Bamberger e Anne Anastasi classificam essas fases de diversas formas a partir do interesse das crianças e da faixa etária. Contudo, ponderam também que não são estanques, e que uma criança, por exemplo, de 8 anos pode ter interesses diferentes daqueles pertencentes à fase do conto de fada. Já tendo passado por essa fase ou pulando-a.

Veja também: Seu filho diz que ler é chato? A resposta pode estar nos desafios da leitura autônoma

Q.: E podemos recomendar formas diferentes de despertar o interesse na literatura como prazer em cada idade?

R.J.: Eu tenho estudado muito o que chamo, junto com a colega Cyntia Girotto, de atos embrionários de leitura. Ou seja, são diversas dimensões que envolvem a leitura: espaço-temporal, modal, relacional, objetal, como mostra esta figura a seguir. Para configurar este esquema, nos inspiramos na pesquisa de Marcolino (2013) intitulada A mediação pedagógica na Educação Infantil para o desenvolvimento da brincadeira de papéis sociais, que discute dimensões na criação do jogo de papéis.

As dimensões dos atos embrionários de leitura

Neste sentido, por exemplo, para um bebê, recomendamos uma ênfase na materialidade do texto e em histórias com poucos personagens, para serem contadas, lidas em voz alta etc. Já a um pré-adolescente, a partir da escolha do livro, é possível propor um clube de leitura ou discussões compartilhadas com os colegas. Vigotsky também pondera que a troca de informações amplia os sentidos iniciais dados ao texto e nos ajuda, então, a compreender com a compreensão do outro.

“O importante é combinar essas dimensões com o interesse, a oferta e a faixa etária da criança.”

Veja também: Ler o que gosta é tão importante quanto a leitura escolar e deve ser incentivado

Q.: Ouvimos relatos de pais que, muitas vezes, à medida que a criança cresce e as demandas escolares se intensificam, deixam de ler para os filhos ou de incentivar a literatura como prazer, de títulos que não sejam recomendados pela escola. É algo que acontece mesmo? Há uma explicação para isso ou uma pesquisa que identifique esse tipo de comportamento?

R.J.: Eu desconheço uma pesquisa que discuta a leitura de literatura incluindo a família no Brasil. Mas sei que, em Portugal, mais especificamente na Universidade do Minho, há um estudo de mestrado e doutorado discutindo a (grande) importância da família na formação do leitor literário.

De fato, temos a percepção de que a oferta do livro em geral aparentemente cai desde antes do Ensino Fundamental II. Quando você pergunta se há uma explicação para isso, no âmbito educacional eu me arriscaria dizer que a escola ainda não conseguiu lidar com a transição do aluno do Ensino Fundamental I (1oa 5oanos) ao Ensino Fundamental II (6oa 9oanos).

Ou seja, os alunos crescem, mudam seus interesses e consequentemente a maneira de a escola abordar os livros deveria ser diferente, acompanhando esse processo. E daí para o Ensino Médio também há um “furo”. Continua-se a ênfase nos cânones literários, mas não é feito um trabalho anterior no sentido de despertar o aluno para a vontade de ler e de se aproximar desses clássicos enxergando a literatura como prazer.


Renata Junqueira é Mestre em Linguística e Letras pela PUC-RS, doutora em Letras pela Unesp e livre-docente pela mesma Instituição. Também é professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Letras da UFES desde 2015. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino-Aprendizagem, leitura, formação de leitores, literatura infantil, literatura e formação de professores e estratégias de leitura. Renata Junqueira também é uma das selecionadoras de livros do Clube de Leitura Quindim.

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