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Hábitos alimentares: veja como a pandemia piorou a alimentação infantil

Hábitos alimentares e alimentação infantil: Alimentação na pandemia

Dados do Unicef mostram que o consumo de alimentos industrializados aumentou durante o isolamento, principalmente onde residem crianças e adolescentes. Nutricionistas falam sobre driblar esse contexto difícil que prejudica os hábitos alimentares; acompanhe também uma pesquisa que avalia a presença de ultraprocessados na alimentação infantil nos ambientes escolares e seus entornos. Você ainda vai conhecer uma família de veganos que teve uma experiência enriquecedora durante o período de isolamento.

Embora crianças e adolescentes não adoeçam com a Covid-19 na mesma proporção que os adultos, elas são consideradas vítimas ocultas da pandemia pela Unicef. Dados divulgados pelo órgão em agosto de 2020 mostram os efeitos da pandemia para esse grupo, que inclui o impacto nos hábitos alimentares infantis com o aumento no consumo de alimentos considerados não saudáveis em casas onde residem crianças e adolescentes. 

Segundo a pesquisa, 31% das famílias com crianças e adolescentes tiveram os seus hábitos alimentares alterados e passaram a consumir mais alimentos industrializados, como miojo, enlatados, bolachas recheadas, entre outros. Só para se ter uma ideia, o relatório mostra que, em famílias sem crianças e adolescentes, o aumento nesse consumo foi de apenas 18%. A partir de fatores relacionados, como desemprego e diminuição de renda, o relatório também avalia mais impactos na alimentação de famílias, como insegurança familiar e a fome.

Clube de Leitura Quindim entrevistou especialistas sobre o impacto do consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados para crianças, além de como driblar as dificuldades na alimentação infantil nesse contexto pandêmico. Conheça ainda a experiência da família da psicóloga e influenciadora digital Flavia Melissa, que ganha no veganismo hábitos alimentares mais saudáveis.

IMPACTOS DE ALIMENTOS PROCESSADOS E ULTRAPROCESSADOS NOS HÁBITOS ALIMENTARES DAS CRIANÇAS

Primeiramente, é preciso entender que uma alimentação infantil adequada inclui alimentos de qualidade nutricional e em quantidade adequada para as necessidades de cada faixa etária. “Os nutrientes estão na base da vida, são necessários para dar energia às células, proteger contra doenças, construir cabelos, unhas, músculos, além de todo o desenvolvimento neurológico e cerebral das crianças”, comenta a nutricionista materno-infantil Marina Rico Perez, que é especializada em aleitamento materno pelo IBCLC.

Segundo ela, manter hábitos alimentares com muitos alimentos industrializados e poucos alimentos naturais pode contribuir para obesidade, aumento da pressão arterial, problemas metabólicos como diabetes, resistência à insulina, problemas de visão, coordenação, memória, disposição, além de aumentar muito o risco de doenças no futuro.

Esse impacto na qualidade de vida nos anos seguintes é reforçada pela nutricionista materno-infantil Renata Gosciola Vizeu, especialista em Nutrição Clínica em Pediatria pelo Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP. Ela ressalta que a alimentação nos primeiros anos de vida vai determinar a saúde da criança ao longo da vida. “A herança ou predisposição genética pode se manifestar ou não de acordo com o estímulo alimentar que se recebe nos primeiros anos de vida. Uma alimentação infantil não saudável traz predisposição maior de se desenvolver doenças a longo prazo”, afirma.

Os alimentos com perfil ultraprocessado, por exemplo, trazem em sua composição baixa qualidade nutricional e excesso de componentes como açúcar, sal, gorduras, além da presença de aditivos alimentares: conservantes, estabilizantes, corantes. No organismo, a ausência de nutrientes vai causar deficiência nutricional no curto prazo, resultando em problemas de saúde. A longo prazo, pode provocar alergias e até prejudicar a formação de hábitos alimentares adequados. “A formação de um paladar voltado somente aos sabores fortes, como doce ou salgado, dificulta o consumo de outros alimentos saudáveis, como legumes e frutas”, aponta Renata.

Você pode conferir em nosso blog uma lista de alimentos que ajudam a aumentar a imunidade infantil nesse momento de pandemia.

Veja também: Como aumentar a imunidade infantil? Conheça 9 alimentos indispensáveis

COZINHAR EM TODAS AS REFEIÇÕES E RESTRIÇÕES DE OPÇÕES VEGANAS NO MERCADO TROUXE UMA EXPERIÊNCIA POSITIVA NA ALIMENTAÇÃO INFANTIL

A psicóloga e influenciadora digital Flavia Melissa é mãe de Gael, 5 anos, e Dante, 2. Todos, incluindo o marido e pai das crianças, são veganos e durante a pandemia tiveram uma experiência positiva em relação aos hábitos alimentares. Flavia conta que, para isso, é preciso destacar que a família lança mão de alguns privilégios e que têm uma dinâmica diferente da experiência da maioria das famílias. “Moramos na praia (Ilhabela-SP), eu e meu marido trabalhamos em casa e, embora não tivéssemos tido ajuda externa, nós temos trabalhos que nos possibilitam a dedicação às atividades domésticas. Além disso, as crianças têm a oportunidade de tomar sol no quintal, além de acessarmos a ciclovia para praticar atividades físicas”, enumera.

Flavia ressalta que, pelo fato de serem veganos, algumas mudanças na alimentação e na rotina alimentar da família foram bastante benéficas. Com o cancelamento das aulas presenciais, Gael, que almoçava e lanchava na escola (que possui acompanhamento nutricional), passou a fazer todas as refeições em casa. Com isso, pelo menos três refeições diárias passaram a ser feitas em casa. “Eu não sou nutricionista, mas por ser vegana eu acabo entendendo bastante dos grupos alimentares e nós acabamos prestando bastante atenção nisso nesse período”. Por não terem acesso a restaurantes veganos e estarem em isolamento dos familiares, Flavia incluiu na rotina cozinhar em todas as refeições. “Algo que eu não tinha na minha rotina era fazer comida para o dia a dia, todas as refeições, sete dias por semana. Meu filho passou a dizer que eu ‘sou a melhor cozinheira do mundo’, o que nunca tinha acontecido”, brinca. Para ela, o isolamento impulsionou mais rapidez e praticidade na cozinha.

Ela avalia que as mudanças na alimentação da família durante a pandemia foram bastante benéficas. “Veganismo é um fator de relaxamento para a gente, porque é uma comida naturalmente saudável, rica em nutrientes e a falta de opções veganas no mercado fazem com que a gente não pise o pé na jaca tantas vezes. Mesmo as opções mais atípicas, como pizzas, a gente faz em casa. Também temos uma cultura de variar os alimentos, ter sempre pratos coloridos e evitar o desperdício”, ressalta. A psicóloga e influencer ainda destaca que os filhos fazem exames de sangue com certa regularidade e os índices, mesmo após o isolamento, estão ótimos. E, se o seu filho não come verduras e legumes, você pode conferir em nosso blog mais dicas para uma alimentação infantil saudável.

Veja também: Alimentação infantil: 04 perguntas que você precisa fazer se seu filho não come verduras e legumes

COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS NO ENTORNO DAS ESCOLAS E O IMPACTO NOS HÁBITOS ALIMENTARES

Áreas com maior concentração de escolas atraem maior comercialização de alimentos ultraprocessados? Essa é a hipótese levantada pela pesquisadora Mayra Figueiredo Barata, em sua dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com foco em Epidemiologia Nutricional. Mayra, que é nutricionista, pesquisa ambientes alimentares no entorno escolar em cinco capitais brasileiras. Os dados ainda são preliminares, mas o objetivo é analisar esses ambientes com enfoque em estabelecimentos que comercializem produtos ultraprocessados.

Como pano de fundo, a pesquisadora ressalta a investigação sobre o aumento de obesidade no mundo, já considerada um problema mundial. As causas incluem mudanças no modo de vida da população – rápida urbanização, avanços tecnológicos, livre comércio, entrada da mulher no mercado de trabalho etc. A pesquisadora aponta também uma substituição de padrões de alimentação tradicionais (que incluem alimentos in natura, minimamente processados) por padrões que incorporam cada vez mais os ultraprocessados.

“São alimentos nutricionalmente desbalanceados, com alta densidade energética. Também tem a questão da conveniência, estar pronto para consumo, durabilidade, hiperpalatabilidade, embalagens sofisticadas e um marketing agressivo, voltado para crianças e adolescentes. Os comerciantes têm mais facilidade para vender, uma vez que são opções mais duráveis. Por isso esses alimentos são vendidos não apenas em mercados e bomboniéres, mas também farmácias, bares, bancas de revista”, explica.

Alguns estudos, nos quais se baseia a pesquisa de Mayra, mostram uma propensão maior de compra de alimentos não saudáveis onde há oferta desses produtos próximo a casa e escolas, em locais como fast-foods e lojas de conveniência. Essa concentração de estabelecimentos também impacta numa possibilidade menor de consumo de frutas e vegetais. “A oferta desses locais não apenas influencia você a comprar alimentos ultraprocessados mas também cria a necessidade de consumi-los”.

ALIMENTAÇÃO NA ESCOLA E A CRIAÇÃO DE HÁBITOS ALIMENTARES

A alimentação na escola – e não apenas no entorno – também é abordada na pesquisa. A mestranda destaca a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que tem parâmetros para a alimentação infantil em escolas públicas e particulares. “Há estudos que mostram que crianças de escola pública se alimentam melhor na escola do que em casa. Já para os alunos de escola particular, a situação é inversa: em casa, eles têm mais opções saudáveis, uma vez que as cantinas oferecem mais alimentos ultraprocessados”.

Para Mayra, os dados mostram o quanto é importante que as crianças frequentem a escola e também a relevância desse programa, que possibilita que as crianças tenham hábitos alimentares saudáveis dentro da escola. A pesquisadora também reflete sobre essas informações na pandemia, em que as escolas estão fechadas e há uma insegurança alimentar e nutricional maior na sociedade. “Quando perdemos dinheiro, perdemos a condição de comprar mais alimentos in natura e minimamente processados. Para não passar fome, muitas famílias com situação socioeconômica prejudicada recorrem aos ultraprocessados. Isso é preocupante, é preciso cobrar dos governos a responsabilidade sobre todas essas consequências”.

As ações de prevenção e combate da obesidade infantil, na visão de Mayra, devem incluir mudanças ambientais, políticas e sistemáticas, focando em abordagens comunitárias e institucionais. “O ambiente escolar desempenha uma função importante na alimentação de crianças, adolescentes e suas famílias. A qualidade de alimentos disponíveis dentro e nas proximidades da escola podem influenciar na saúde e nos hábitos saudáveis desses indivíduos”, finaliza.

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