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Bruxas: saiba mais sobre a história e a importância desse símbolo cultural

bruxas

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De chapéu pontudo, verruga no nariz e com poderes misteriosos: essa é a ideia que temos das bruxas, mas elas são muito mais do que isso! Personagem que acompanha nossa civilização desde o seu nascimento, a bruxa também simboliza o contato com a natureza, o poder do feminino e o desejo de transformar situações. Para entender mais sobre esse ícone fundamental e entender por que ele está ameaçado hoje, o Clube Quindim bateu um papo com as escritoras Penélope Martins, autora de A incrível história do menino que não queria cortar o cabelo e Quintalzinho, e Rosana Rios, autora de O dragão comilão e O monstro monstruoso da caverna cavernosa, na íntegra a seguir:

Clube Quindim: Quem foi a bruxa na história e qual foi sua importância?

Penélope Martins: A bruxa na história foi uma porção de coisas, tanto uma mulher simples como minhas avós, que sabiam curar doenças com emplastros de ervas ou que tinham uma reza para fazer vingar gravidez, uma simpatia para curar febrão, como, ao mesmo tempo, as piores projeções malignas que se misturam ao nosso próprio lado obscuro, o encontro com o mal que todo ser traz dentro de si e que povoa nosso imaginário como um bicho feio e torto, alguém com verruga na ponta do nariz pontudo. A importância da bruxa está justamente nesse híbrido, o poder de escolher como usar a magia.   

Rosana Rios: No início dos tempos, quando a maioria dos povos cultuava deusas às vezes denominadas Grandes Mães, não havia nenhuma discriminação a respeito de “bruxas”. A Mulher era considerada divina e mágica por natureza, com sua capacidade de gerar vida e sua associação à Terra-Mãe. Com a ascensão de sociedades patriarcais, centradas em deuses masculinos, começou-se a temer e desprezar a força feminina, e a discriminar as parteiras, curadoras, benzedeiras, que passaram a ser denominadas feiticeiras, bruxas ou praticantes de artes ocultas. Isso se intensificou na chamada Idade Média… Apesar disso, mesmo ameaçadas com fogueiras e torturas, as mulheres continuaram a gerar vidas, realizar partos, preparar chás e remédios. O Feminino é uma força eterna, que não pode ser reprimida ou apagada.

C.Q.: Quem é a bruxa hoje?

P.M.: A bruxa hoje continua sendo feita da mesma mistura de bem e de mal, tudo depende da história e do ponto de vista. Mas é certo que a figura da bruxa, diferente dos príncipes e das princesas que são sempre a prova de um coração puro, é imprescindível para enfrentarmos o que consagra a nossa existência humana, pois ninguém é bom o suficiente para não ter nada de mau, nem ruim ao ponto de não sobrar nada que seja bom. 

R.R.: Todas as mulheres, naturalmente. Continuamos conectadas à Natureza e à capacidade criadora. 

C.Q.: O que a figura da bruxa simboliza na nossa cultura?

P.M.: A bruxa na cultura brasileira tem muita mistura porque há uma compreensão da magia da cura, da magia que salva almas e vence guerras, em nossos povos originários indígenas, assim como há uma mitologia rica de elementos maravilhosos e fantásticos nos povos africanos que povoaram nosso território. E tudo isso se une ao quê de mistério sombrio que a herança europeia trouxe com seus contos de assombro, além dos relatos inquisitoriais que marcaram um período histórico em que foi comum acusar alguém de bruxaria para que essa pessoa fosse condenada à morte. Por tudo isso, as bruxas são assumidas como algo que se deve temer, que faz tremer. Mas é inegável que há também o fascínio pelo conhecimento que carrega uma bruxa, pela capacidade que ela tem de resolver coisas que nós não sabemos como…  

R.R.: A bruxa/feiticeira/praticante de magia é uma figura literária simbólica, que pode ir de um extremo a outro no espectro do simbolismo; pode ser a maga do Bem (ou fada, seu lado luminoso) ou a antropófaga (como a bruxa que aprisiona João e Maria/Hansel und Grethel). No Brasil herdamos a visão ambígua celta-cristã de Portugal/Espanha: culturas que, em sua literatura oral, tratam a bruxa em particular (e a mulher em geral) como ser maligno, que devora criancinhas e enfeitiça os vizinhos. Isso se aplica mais fortemente a crenças não cristãs, como as de matriz africana, com a demonização das Orixás femininas, por exemplo. Claro que esse é um reflexo do fato de que os mais antigos folcloristas e pesquisadores das narrativas populares sempre foram homens… Contudo, com a popularização da Literatura de Fantasia, e a produções de literatura, cinema, televisão etc., há também uma visão benigna de bruxas e bruxos (veja-se o fenômeno Harry Potter, que utiliza os elementos folclóricos de uma forma positiva). 

C.Q: Quais são os entraves que as bruxas estão sofrendo hoje?

P.M.: Estamos vivendo um período estranho, por assim dizer… Não somente no Brasil, mas em outros lugares do mundo uma onda de extrema direita na política reúne pessoas demasiadamente conservadoras com religiosos fundamentalistas. Aqui no nosso país temos visto isto, mais comumente, livros serem tratados como bruxas que devem caminhar até a fogueira… Mas eu gostaria de ressaltar que isso é só um espelho onde se reflete a mesma ignorância que trata o candomblé como macumba, culto do diabo e outras coisas assim. Na história do mundo, pessoas fanáticas por suas religiões cometeram muitas atrocidades. E isso ainda acontece. Basta entrar no YouTube e procurar dirigentes de igrejas falando aos seus fiéis sobre o mal dos terreiros de umbanda, de candomblé – ali que ouviremos palavras como satanismo, bruxaria. Mas, afinal, teremos que banir todo ser mítico da imaginação por conta da ignorância de não saber o que é mito, de não existir uma visão sobre o que é imaginário? Todavia, quem aponta um dedo para o outro tem outros dedos apontados para si mesmo, e somente o próprio preconceito é que podemos eliminar com total êxito. 

R.R.: Infelizmente ainda existem na sociedade pessoas intolerantes, pouco leitoras e, consequentemente, com dificuldades em separar realidade e fantasia; nelas há um medo supersticioso das mulheres mais independentes, que são alçadas à posição de “bruxas”. Quando essas pessoas iletradas chegam a posições de poder secular, seu medo gera preconceitos e violência que se espalham. Daí à censura é um curto passo. Censuram-se histórias tradicionais e modernas, desejando-se excluir as personagens denominadas bruxas – como se elas não fossem apenas criaturas imaginárias, símbolos, e pudessem magicamente sair das páginas dos livros para jogar feitiços nas ditas “pessoas normais”… 

C.Q.: Qual é a importância de colocar a criança em contato com essa figura?

 P.M.: Uma vez eu escutei de um pai que a filha dele não entraria em contato com princesas justamente porque a família era socialista e abominava sistemas de opressão de poder. Achei aquilo triste demais porque o imaginário é aquele lugar povoado de muitas figuras, onde se pode experimentar ser belo, ser bom, ser feio, ser gigante, colocar um sapato de cristal ou ver um sapo virar um belo rapaz. Assim, sem limites no que se pode pensar e imaginar, a gente aprende a compreender as estruturas sociais, as relações humanas, e a própria existência. Como vou vencer o mal se eu não sei qual a cara do mal? Mas será que é mais má a princesa ou a bruxa? Tudo isso se opera no mundo imaginário, as histórias garantem um repertório para que a gente leia o mundo com maior capacidade interpretativa. Para além disso, há uma função poderosa dos seres assombrosos, a gente vence o medo, a gente aprende a enfrentar… Na vida, tem coisa mais preciosa do que aprender a enfrentar nossa covardia?

R.R.: Segundo os psicólogos, psiquiatras, pedagogos e demais especialistas, as figuras “malignas” das histórias cumprem um papel fundamental na formação do leitor iniciante (na verdade, de qualquer leitor). Através da narração oral e do contato com livros que trazem contos tradicionais e a boa literatura atual, os antagonistas – bruxas, magos malignos, monstros etc. – oferecem ao leitor/ouvinte infantil uma válvula de escape e maneiras de lidar com as contradições que existem dentro de si (e de todas as pessoas, sejam crianças, adolescentes ou adultos). O que seria da literatura em geral, e da infantil e juvenil em particular, se não existissem vilões? Como pensar em valores universais como ética e respeito ao diferente sem a existência de histórias que mostrem as diferenças? Uma literatura pasteurizada e inócua não serve a ninguém e descaracteriza culturas milenares que merecem ser preservadas, não demonizadas.

C.Q.: Quem são as grandes bruxas da nossa literatura infantil?

P.M.: Eu, oras! E uma porção de gente que tem verruga ou vê a ruga e se orgulha muito disso. Bruxa pra mim é quem consegue colocar no caldeirão tudo que o mundo oferece, bom ou mau, e transformar em confiança, otimismo, fé, amorosidade. Isso é bruxona mesmo!

R.R.: Inúmeras. Para não citar todas, fiquemos com as grandes autoras Tatiana Belinky e Sylvia Orthoff, que nos deixaram muitas histórias e poemas com bruxas. É fato que todas nós, autoras de LIJ, em algum momento abordamos essas deliciosas personagens em nossas obras. Não podemos deixar de citar, com destaque, a querida Bruxinha criada por Eva Furnari, que começou tendo suas aventuras publicadas em tiras de jornais, foi imortalizada em uma série de livros – e que delicia os leitores há décadas.


Imagem de capa retirada do livro Filó e Marieta de Eva Furnari.

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