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A importância do tédio para a saúde e a criatividade

A importancia do tedio para a saude e a criatividade capa

Vivemos em uma sociedade em que a maior parte das pessoas e das empresas supervaloriza rotinas tomadas por todo tipo de atividades e pela busca por uma produtividade quase infinita. É essa mesma sociedade que não compreende nem vê sentido no tempo livre, não sabe lidar com um dia que tenha horas vagas e não quer nem ouvir falar de tédio.

Estamos todos tão acelerados que a imposição desse mesmo tipo de rotina acontece quase que naturalmente com as crianças e adolescentes. Mas, além de não ser necessário que elas passem por isso, também não é bom para o seu desenvolvimento. Pelo contrário: aprender a lidar com o tédio é fundamental para a saúde mental, a criatividade e o equilíbrio dos jovens, além de possibilitar que comecemos a repensar e possivelmente reverter essa aceleração sem limites na qual nos encontramos.

Onde foi parar o tédio?

Temos tantas atividades a realizar todos os dias que muitas vezes nos pegamos pensando em como seria bom ficar sem fazer nada. E quanto mais próximo esse nada estiver de uma rede, sombra e água fresca, melhor. É ou não é?

O problema reside, então, no nada que poderíamos fazer enquanto esperamos nossa vez em uma fila, enquanto o sinal não abre para que possamos atravessar a rua, enquanto o recepcionista não chama nosso nome na lista de pacientes que aguardam uma consulta… Esse é o nada que aterroriza uma quantidade imensa de pessoas e com o qual precisamos, urgentemente, reaprender a lidar.

As gerações que não cresceram com smartphones, programas por streaming e o hábito de usar mais de uma tela ao mesmo tempo lembram bem o que era, simplesmente, ter que esperar. E não necessariamente esperar por alguma coisa que poderia ou não acontecer, mas simplesmente existir, olhar para as paredes, para o teto, e nada mais.

No entanto, com o avanço das tecnologias, o estranho glamour das multitarefas e a avalanche de informação e entretenimento que nos soterra a todo instante, desaprendemos a ficar parados, com nossos próprios pensamentos, refletindo sobre o que aconteceu, o que vimos, ouvimos, falamos e sentimos. Ou, nem isso, apenas respirar e ficar lá. Entediados.

foto: Canva

Paramos de ter gosto por percorrer as vielas de nosso próprio pensamento, de nos observarmos a nós mesmos. Não ficamos mais sozinhos com a única pessoa que está conosco em todos os momentos, chova ou faça sol: nós mesmos.

Há uma necessidade quase patológica de ocupar cada espaço, cada minuto, cada segundo, com vídeos, músicas, posts, textos, memes, fotos, joguinhos, qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa que nos livre da sensação de não fazer nada. Como se o ócio fosse algum tipo de crime a ser combatido com todas as nossas forças.

E, por achar que isso é normal, passamos a fazer o mesmo com as crianças. Além da escola, há um mundo de atividades extracurriculares como ballet, judô, natação, inglês, aulas de música, de teatro, de pintura, de expressão corporal… Em que momento elas podem ser crianças? Não sabemos.

Assim, essas crianças vão crescendo e passam a ser adolescentes que não sabem lidar com o tédio (e nem querem saber). Jovens que buscam cada vez mais estar ligados, conectados, expostos nas redes porque, afinal de contas, se você não está no Instagram, no TikTok, no BeReal, você sequer existe. Facebook? Sem tempo, irmão.

Veja também: Os perigos do uso de tablets, celulares e telas por crianças.

Por que o tédio faz bem pra saúde

Segundo o psicólogo Rafael Santandreu, em uma entrevista concedida ao jornal El País, ainda que seja feita comumente uma associação negativa entre o tédio e a depressão, a ansiedade, a tristeza, e a dependência de álcool e drogas, não existe excesso de tédio, mas, sim, uma má vivência do estar entediado.

Santandreu afirma que o tédio faz parte da nossa natureza e nos coloca em um estado mental de calma e felicidade, capaz de ativar grandes tarefas. É durante os períodos de tédio que conseguimos processar os acontecimentos do dia, explorar mentalmente novas possibilidades para solucionar problemas diversos e estabelecer novas associações mentais, o que não seria possível apenas emendando uma tarefa na outra. Quem nunca teve uma ideia maravilhosa durante o banho? Pois é. Esse é um momento em que estamos sozinhos com nós mesmos, e que nem sempre conseguimos nos ocupar com outra coisa (apesar de muitas pessoa tentarem).

Quando pensamos nas crianças, o tédio se torna especialmente importante, ainda mais quando são bem pequenas. Como suas mentes estão em pleno desenvolvimento e tudo é, literalmente, novo, é preciso tempo para processar as coisas, consolidar os aprendizados, imaginar novas brincadeiras e situações, experimentar e explorar.

É no tempo livre que a criança vai inventar brincadeiras que fogem ao óbvio dos brinquedos prontos, criando histórias incríveis, universos fantásticos e inesperados, além de ter ótimas oportunidades para descobrir seus próprios interesses, testar e desenvolver habilidades. Se uma criança tem uma agenda repleta de compromissos a cumprir, isso se torna inviável.

Como sempre, a chave está no equilíbrio

É natural que pais e cuidadores em geral queiram oferecer as melhores oportunidades de crescimento e desenvolvimento para as crianças. Pensamos no futuro deles, no que o mercado de trabalho irá exigir, e queremos que sejam adultos bem-sucedidos. É natural.

Sabemos dos inúmeros benefícios que práticas esportivas e artísticas podem oferecer, assim como da maior facilidade no aprendizado de novos idiomas ainda na infância. Mas abarrotar o dia a dia dos jovens com uma lista de tarefas a cumprir tira deles a oportunidade de aprender a lidar com o tédio em seus próprios quartos, quando nenhum brinquedo parece ser interessante e nenhum programa de TV chama atenção.

foto: Canva

Saber usufruir do ócio e sobretudo aprender a lidar com o tédio é uma habilidade fundamental para a vida. Afinal, esperar faz parte, e nem sempre será possível ou desejável fazer isso com um celular nas mãos.

Não fazer nada é parte fundamental da vida de pessoas saudáveis que aprenderam a descansar. Como somos cobrados o tempo todo por produtividade e resultados, com frequência há ansiedade e até uma certa culpa por não fazer nada, como se estivéssemos desperdiçando tempo, possibilidades, vida. Contemplar também é viver.

Então, além de contribuir para a desaceleração da rotina, ajudar crianças e adolescentes a relaxar, aceitar e usufruir do vagar sem rumo da própria mente é uma maneira de apoiá-los na descoberta dos benefícios que o tédio pode trazer. Sendo assim, é, também, uma maneira de pensar no futuro deles.

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