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Como usar a tecnologia na educação infantil?

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Tablets, celulares, computadores, games, o universo dos streamings. Ser criança hoje é nascer inserido em um mundo digitalizado e, inúmeras vezes, facilitado pelo uso das mais diversas tecnologias no dia a dia. Esses recursos também estão presentes nas escolas, com ferramentas e métodos que, se usados de maneira equilibrada com materiais fora das telas, podem colaborar para o aprendizado das crianças.

O uso da tecnologia na educação infantil se tornou um tema ainda mais discutido depois da experiência vivida durante a pandemia de Covid-19, quando o fechamento de escolas e a prática de distanciamento social obrigou educadores e estudantes a se relacionarem por opções virtuais. “Estamos vivendo em um mundo totalmente globalizado e digital. A pandemia só veio acelerar o avanço das tecnologias na educação. (…) A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê, através da educação, a apropriação das linguagens tecnológicas”, explica Cláudia Celeste, coordenadora do curso de especialização em educação infantil da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, na Bahia.

De acordo com Cláudia, ferramentas tecnológicas no ensino de crianças proporcionam o desenvolvimento de habilidades psicomotoras, cognitivas e socioemocionais, além de estimular o raciocínio lógico, a criatividade, a autonomia e a imaginação.

Além disso, quando se pesquisa sobre o tema, um dos efeitos mais citados da aplicação de recursos tecnológicos em sala de aula é o aumento do engajamento dos estudantes. Afinal, as ferramentas trazem para o aprendizado o dinamismo que a criança já experimenta fora da escola, em conteúdos acessados em tablets, smartphones e computadores, mas que não necessariamente têm conexão com aquilo que é oferecido pela grade escolar.

Em entrevista ao Clube Quindim, a profª. drª. Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues, neuropsicopedagoga, psicanalista infantil e diretora de ensino em saúde na Logos University International, comentou esse aspecto com ressalvas: “Esse engajamento aparente se dá por causa do nosso modelo de ensino que, por vezes, é monótono frente à criatividade e vontade de explorar das crianças. O que é mais atrativo: aprender matemática fazendo contas no caderno ou utilizando um aplicativo para isso?”.

A especialista continua e traz um exemplo: “A percepção de motivação está atrelada muito mais ao fator de novidade e saída da rotina do que propriamente à tecnologia em si. Certa vez, uma professora de 3º ano, na escola na qual eu era coordenadora, levou as crianças para explorar o espaço da escola, fazendo medições e anotações de cada um deles. Neste dia, os estudantes aprenderam matemática com contexto e a empolgação era a mesma se estivessem com um tablet (…). Neste sentido, é importante equilibrar o uso da tecnologia com outras atividades que promovam o desenvolvimento holístico das crianças, como atividades físicas, interações sociais e brincadeiras ao ar livre“.

Veja também: Escrever à mão é melhor para o aprendizado?

Benefícios da tecnologia na educação infantil

Não há dúvidas, portanto, de que o equilíbrio é um dos segredos para uma prática pedagógica bem-sucedida que traga os elementos considerados digitais e analógicos como complementares e não antagonistas. Tendo isso em mente, alguns dos principais benefícios quando a tecnologia chega às salas de aula são:

Métodos que estão em alta

Um dos caminhos recomendados na hora de levar a tecnologia para a sala de aula está um passo antes de escolher qual ferramenta será usada com as crianças. Nessa jornada por bons resultados na aprendizagem de uma turma, é preciso aliar a criatividade do educador com os recursos disponíveis. 

Dentre as opções, “ouvir música, escutar audiolivros ou assistir a contação de história são boas alternativas na educação infantil – quanto mais calmo é o conteúdo, melhor, assim evitamos que as crianças fiquem agitadas ou irritadas. Para crianças maiores é possível oferecer gamificação de conteúdos e até atividades de memorização e que ajudam com dificuldades de aprendizagem, como é o caso da plataforma EduEdu que possui um aplicativo gratuito com atividades de alfabetização alinhadas à BNCC”, exemplifica Michele Rodrigues.

O e-book gratuito “Gamificação: Estratégias para Potencializar a Experiência de Aprendizagem“, da plataforma digital Árvore, traz um exemplo envolvendo criatividade e jogos: nos Estados Unidos, uma professora de espanhol usou o game FIFA Play, de futebol, para ensinar o idioma aos alunos. Na atividade, esperava-se que os estudantes jogassem com o jogo configurado para o espanhol, o que os levava a ler e ouvir no idioma e argumentar para a tomada de decisões durante a partida também usando a língua.

Confira outros caminhos que têm se destacado no uso de tecnologia na educação infantil:

Veja também: Educação digital: a tecnologia pode afastar a criança dos livros?

E as escolas públicas?

Perante tantas vantagens e possibilidades, no entanto, não há como falar sobre o uso de tecnologia na educação infantil sem pensar nas desigualdades que a falta de acesso a recursos pode gerar aos alunos de escolas públicas. A questão engloba pontos que vão do acesso limitado a dispositivos, passando pela falta de conexão de qualidade com a internet, até a capacitação de professores para integrar efetivamente a tecnologia na prática pedagógica.

“[Nas escolas públicas] Frente a outras demandas no ambiente escolar, os recursos financeiros são direcionados para questões básicas e urgentes. Os dados do Censo Escolar de 2022 mostraram que há falta de itens básicos, como papel sulfite. Neste sentido, como a escola poderia investir em banda larga que comporte o atendimento de uma turma inteira no laboratório? (…) Ademais, a capacitação de professores é uma questão de tempo. A gestão precisa dedicar tempo para formar os docentes visto que é direito deles obter tal formação. O apagar incêndio incessante por parte dos gestores dentro das escolas acaba por deixar de lado questões fundamentais quanto estas”, relata Michele, que ainda divide sua experiência pessoal:

“Tenho plena consciência da realidade das escolas públicas, onde existem sobrecarga de atividades para professores e gestores, problemas emocionais de estudantes, falta de recursos etc. Eu estudei em escola pública, alternando em salas de madeira e em contêineres de aço, até o fim do ensino fundamental. Porém, como educadora, creio que nossa missão é ensinar e, para isso, a formação continuada é essencial. Mesmo que tenhamos que buscá-la autonomamente”. 

Vale lembrar, também, que não necessariamente é preciso que exista um recurso de última geração. O relatório “A Tecnologia na Educação: Uma Ferramenta a Serviço de Quem?”, publicado pela Unesco em 2023, traz exemplos de como a tecnologia não precisa ser avançada para ser efetiva. É o caso da China, onde gravações de aulas de alta qualidade distribuídas a 100 milhões de estudantes rurais melhoraram seus resultados em 32% e diminuíram a desigualdade salarial entre populações urbanas e rurais em 38%.

A tecnologia como aliada do professor

As ferramentas disponíveis também estão a serviço do cotidiano dos professores. Por exemplo, na elaboração de planos de aula para educação infantil ou até mesmo em atividades do dia a dia da escola. “Para nós, professores, o céu é o limite!”, aponta Michele.

Existem “aplicativos e softwares específicos para o planejamento de aulas que facilitam a organização e a estruturação do conteúdo a ser ensinado. Podemos criar cronogramas, elaborar sequências didáticas, definir objetivos de aprendizagem e acompanhar o progresso dos alunos de forma mais eficiente. (…).  A formação continuada gratuita é outro ponto a se considerar. O AVAMEC, plataforma do governo, disponibiliza cursos de extensão e pós-graduação de alta qualidade. Estes, por sua vez, podem embasar a nossa prática pedagógica ao apresentar novas metodologias de ensino”, continua ela. O AVAMEC é o Ambiente Virtual de Aprendizado do MEC (Ministério da Educação).

Outro ponto positivo [do uso de tecnologia na educação infantil] se deve ao acompanhamento pedagógico, uma vez que as ferramentas, em sua maioria, permitem a verificação dos itens em defasagem e podem se adaptar ao nível de aprendizado de cada criança, oferecendo atividades sob medida para suas necessidades individuais“, pontua a especialista.

Equilíbrio sempre

Como dito anteriormente, embora a tecnologia seja parte da vida de todos, é preciso se manter alerta para que exista um equilíbrio entre as ferramentas disponíveis e o uso de outros materiais no aprendizado infantil.

A doutora Michele dá um exemplo prático disso: “Suponha que o professor deseje abordar um tema como ‘Ecossistemas Aquáticos’. Ele pode, inicialmente, utilizar recursos online, como vídeos educativos interativos que exploram a vida aquática, simulações de ecossistemas e jogos educativos que incentivam a compreensão do tema. Depois, organizar uma visita a um aquário local ou realizar uma atividade prática em um ambiente externo, como um lago próximo, para observação direta da biodiversidade aquática. Por fim, os alunos podem utilizar a tecnologia para documentar suas observações por meio de blogs, diários online ou até mesmo criar álbuns de fotografias com as descobertas. Para que isso funcione, o docente deve estimular a própria criatividade”.

Os recursos em materiais impressos também seguem como importantes pontos de equilíbrio nessa balança entre online e offline. Quando se fala em leitura, por exemplo, pesquisas indicam que o papel favorece a retenção da informação quando comparado à experiência nas telas. Essa foi a conclusão de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Macquarie, na Austrália, publicado em setembro de 2023. 

Um dos motivos apontados na pesquisa é a competição estabelecida entre os mais diversos atrativos que surgem nas telas (links, notificações, anúncios) e a leitura em si. Esse e outros fatores favorecem o que é chamado de skimming, uma leitura superficial, em que se capta o básico do texto.

“Quando as pessoas se envolvem em uma narrativa, como um romance, é menos provável que a compreensão seja afetada pela leitura em uma tela”, explicou Lili Yu, psicóloga e uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, ao portal Phys.org. “No entanto, a compreensão diminui quando estamos usando uma tela para ler textos densos em informações, como um livro didático para estudo”, continuou. “Algo que ainda não entendemos é o efeito que isso terá nas crianças que estão aprendendo a ler principalmente nas telas, e provavelmente não descobriremos antes de 10 a 15 anos”, concluiu ela.

Para Renata Nakano, diretora-geral e idealizadora do Clube Quindim, também é importante refletir sobre o que consideramos como tecnologia. “Estamos muito acostumados a pensar em tecnologia como algo digital e, na verdade, é muito mais amplo. O livro, por exemplo, vem do códice, uma tecnologia que tem um modo de funcionamento e suas características, com os paratextos, a capa, um significado para cada coisa, uma maneira de funcionar. O códice é uma tecnologia tão interessante e especial que, até hoje, ainda não encontramos nada melhor para o livro. Não é à toa que, já há alguns anos, o crescimento de leitura em e-book estagnou um pouco em países como os Estados Unidos“, pontua. 

Quando se traz esse pensamento para o universo dos livros infantis, a situação se intensifica, pois “as obras contam com a linguagem verbal e a linguagem visual em diálogo na tecnologia do códice. Na literatura infantil, os artistas usam essa tecnologia de maneira muito consciente para criar determinados efeitos estéticos. Uma pausa trazida por uma página dupla vazia ou com pouquíssimos elementos é muito necessária para prolongar uma sensação, enfatizar alguma frase. São estratégias diretamente relacionadas a essa tecnologia. No caso do digital, há uma profusão de hipertextos e de informações que não facilitam a concentração em maior profundidade“, explica Renata.

Na busca pelo equilíbrio entre o uso de recursos digitais e das opções fora das telas no ambiente escolar, surge também a preocupação em manter a criança estimulada a ler. Mas, afinal, o que faz alguém se interessar pela leitura? Para Renata, a chave está na existência de uma figura de afeto. “Usando tecnologia ou não para estimular a leitura, a conexão é o que importa”, conta.

Um exemplo interessante para analisar é o dos adolescentes que acompanham booktokers ou booktubers, os influenciadores que indicam livros. “Essas indicações de livros podem realmente gerar um incentivo, mas que se dá por uma comunicação, por uma interação. É a indicação de uma pessoa em quem você confia. É o relacionamento que se cria com alguém, no digital ou não. O que realmente importa é essa conexão. Já na primeira infância, a exposição a telas não é ideal“, conclui.

Telas demais?

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em seu “Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde”, recomenda evitar a exposição de crianças menores de 2 anos às telas (mesmo que de maneira passiva); limitar a uma hora por dia para crianças entre 2 e 5 anos, sempre com supervisão; limitar ao máximo de uma a duas horas por dia para a faixa entre 6 e 10 anos, também com supervisão. “Neste sentido, responsáveis e escolas precisam entrar em consenso sobre a utilização de tecnologias com os pequenos. A estimulação de dopamina produzida pelo uso de telas pode, inclusive, gerar dependência”, pontua a doutora Michele.

Veja também: Brincadeiras fora das telas: preservar tempo e espaço para as brincadeiras é fundamental.

A especialista dá dicas sobre os cuidados que se deve ter ao inserir a tecnologia na educação infantil:

Para Cláudia Celeste, ainda, “é importante destacar que, tanto na família quanto na educação infantil, é fundamental a presença de um mediador. (…) A figura de um adulto fazendo a mediação, restringindo, orientando, equilibrando, planejando o tempo e adequando as atividades à idade e às possibilidades da criança é essencial para a sua saúde física e mental”.

O relatório de monitoramento global da educação em 2023, da Unesco, conclui que: “Os governos precisam garantir as condições certas para permitir o acesso igualitário à educação para todos, regulamentar o uso da tecnologia de modo a proteger os estudantes de suas influências negativas e preparar os professores. Este relatório recomenda que a tecnologia seja introduzida na educação com base em evidências que demonstrem que ela seria apropriada, igualitária, escalonável e sustentável. Em outras palavras, seu uso deve atender aos melhores interesses dos estudantes e complementar uma educação baseada na interação humana. Ela deve ser vista como uma ferramenta a ser usada nesses termos”.

Gostou desse conteúdo? O Clube Quindim tem seleções de obras para incentivar a leitura de livros durante os primeiros meses do ano letivo, no retorno às aulas, e que podem servir de estímulo para as crianças se interessarem ainda mais pelo universo da leitura.

Fontes

Prof.ª Dr.ª Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues
Neuropsicopedagoga e Psicanalista Infantil
Instagram: @educacaoemterapia

Cláudia Celeste, coordenadora do curso de especialização em educação infantil da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, na Bahia

Gamificação: Estratégias para Potencializar a Experiência de Aprendizagem. Disponível em: <https://s3.sa-east-1.amazonaws.com/files.arvoredelivros.com.br/Materiais/ebooks/E-book+-+gamifica%C3%A7%C3%A3o.pdf?utm_campaign=ra_geral_-_e_ebook_-_gamificacao_nas_escolas&utm_medium=email&utm_source=RD+Station>. Acesso em: 23 fev. 2023.

A Tecnologia na Educação: Uma Ferramenta a Serviço de Quem?.  Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por/PDF/386147por.pdf.multi>. Acesso em: 23 fev. 2023.

SBP atualiza recomendações sobre saúde de crianças e adolescentes na era digital. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sbp-atualiza-recomendacoes-sobre-saude-de-criancas-e-adolescentes-na-era-digital/>. Acesso em: 23 fev. 2023.

Dynamic reading in a digital age: new insights on cognition. Disponível em:  <https://www.cell.com/trends/cognitive-sciences/abstract/S1364-6613(23)00198-5?_returnURL=https%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS1364661323001985%3Fshowall%3Dtrue#%20>. Acesso em: 23 fev. 2023.

Ler no papel é melhor para a aprendizagem do que ler em telas. Disponível em: <https://super.abril.com.br/ciencia/ler-no-papel-e-melhor-para-a-aprendizagem-que-ler-em-telas/>. Acesso em: 23 fev. 2023.

Reading on screens instead of paper is a less effective way to absorb and retain information, suggests research. Disponível em: <https://phys.org/news/2024-02-screens-paper-effective-absorb-retain.html>. Acesso em: 23 fev. 2023.


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