No Brasil, de cada dez jovens de 15 a 17 anos dos domicílios mais pobres do Brasil, apenas sete estavam no ensino médio no ano de 2020, de acordo com dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica publicado em 2021. Esse cenário alarmante ensejou movimentos para transformação da oferta de ensino aos jovens. O Novo Ensino Médio se ocupou de propor uma grande mudança nos currículos, afetando sensivelmente a distribuição das disciplinas tradicionais e dando espaço para mais de uma centena de novos componentes e flexibilizando a oferta entre parte obrigatória e parte eletiva. Pensando nas reflexões iminentes a esse processo de transformação, o Clube Quindim trouxe esse conteúdo para expandir os debates necessários para seu entendimento. Confira!
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Enfoques da mudança
Era de se prever que uma alteração de grandes dimensões na forma de se ofertar o Ensino Médio no País precisaria vir acompanhada de preparação robusta na infraestrutura dos equipamentos escolares, na composição do quadro de docentes, coordenação pedagógica, direção e funcionários, além de uma adaptação na formação inicial e continuada desses profissionais. Porém, a reforma centrou esforços apenas na questão curricular, a despeito de diversos protestos e alertas dos estudantes e dos profissionais da educação.
No afã de dar uma resposta aos dados embaraçosos de fluxo e aprendizagem dos nossos jovens, a administração federal – à época conduzida pelo ex-presidente Michel Temer – formulou, tramitou e aprovou um novo modelo sem contemplar a devida reorganização da rede pública de educação para ofertá-lo adequadamente.
Período de transição
Durante os últimos 4 anos, essa situação se agravou, uma vez que a implementação das mudanças foi delegada apenas para os estados, rompendo-se a coordenação interfederativa. O Ministério da Educação do governo Bolsonaro ocupou-se de disputas ideológicas e do incentivo à militarização de algumas escolas, furtando-se de sua obrigação constitucional de dar diretrizes e organizar o modelo de ensino do País em um contexto de adoção de um novo arranjo trazido pelo Novo Ensino Médio.
Neste momento – e sob o pano de fundo de cenas estarrecedoras de violência nos estabelecimentos de ensino, gerando sofrimento psicológico intenso nas comunidades escolares – parece haver certo consenso quanto à necessidade de revisitar a proposta de reforma e adequá-la às necessidades reais do contexto socioespacial no Brasil. Professores, coordenadores, diretores, pais e responsáveis, estudantes, especialistas e parte da opinião pública estão todos angustiados e na expectativa de que o quadro atual se altere.
A promessa de um currículo mais atrativo e pertinente às realidades atuais dos jovens brasileiros transformou-se em uma desastrada adição de disciplinas desconexas ou de conteúdos relevantes, porém ministrados por professores das áreas tradicionais sem a devida formação e sem tempo para preparar as aulas. Matérias jornalísticas têm revelado que os jovens estão extremamente inseguros ao terem reduzidas as cargas horárias de conteúdos importantes para seu aproveitamento acadêmico e para o ingresso em universidades, ao passo que, ao menos parte dessa nova grade de conteúdos, é encarada como menos importante ou se mostra totalmente isolada de uma proposta pedagógica organizada.
Recuo por parte do Governo e o diálogo necessário
Diante do recuo do governo frente à onda de protestos, neste momento, é preciso ampliar sensivelmente os canais e os atores participantes do diálogo sobre o Ensino Médio no País. O atual Governo Federal abriu consulta pública e interrompeu as mudanças previstas no ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio –, previstas para o ano que vem. É um começo. Será necessário, contudo, que haja uma qualificação do debate, abrindo escutas francas e estruturadas com os jovens, com os professores, com as comunidades escolares, com as universidades, com os movimentos sociais. Não podemos fazer pequenas adaptações para contemplar o novo currículo sem tocar em questões altamente prioritárias para transformações verdadeiras na educação brasileira.
Inúmeras mudanças atreladas a esse debate não são menos importantes, tais como:
- Fazer da escola uma referência nos territórios capaz de reduzir desigualdades e acolher diferentes realidades (pretos, periféricos, pessoas com deficiência, quilombolas, indígenas, LGBTQIAP+ e tantos outros);
- Atrair os melhores profissionais das áreas de conhecimento para darem aula na Educação Básica (incluindo o Ensino Médio);
- Mudar a relação de respeito e valorização da profissão docente;
- Preparar melhor os profissionais da educação em sua formação inicial para os desafios contemporâneos;
- Dar suporte metodológico, programático e psicológico para os professores, diretores e coordenadores pedagógicos;
- Suprir o déficit de professores em áreas do conhecimento como Física, Química e Geografia (ou Ciência da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, pela nova nomenclatura);
- Preparar a administração pública para poder criar cargos, elaborar concursos adequados e selecionar profissionais com novos perfis para trazer ao quadro profissionais das áreas da tecnologia e biociências, sendo que a própria aplicação do piso salarial dos professores ainda é tão questionada e de difícil execução no contexto orçamentário brasileiro;
- Ofertar por meio da rede pública o ensino integral alterando o regime horários de todos seus servidores públicos e dialogando com os contextos socioeconômicos que empurram boa parte dos jovens para ocuparem posições precarizadas no mercado de trabalho precocemente, a fim de garantir alguma renda familiar.
Essas e outras tantas variáveis não podem ser deixadas de lado para que o desejo genuíno de transformação social no Brasil possa encontrar caminhos na realidade. Cabe ao Estado, ao terceiro setor, à sociedade civil organizada, às comunidades escolares e a todos, em geral, apoiar a construção de consensos e soluções consistentes e que caminhem para a solução dos verdadeiros problemas da educação brasileira, e não apenas tentem dar conta de um ou alguns aspectos isolados.
Enquanto não se caminhar para a direção correta, sofrem todos – sobretudo as juventudes. E o Brasil vai aprofundando suas desigualdades e sonegando direitos e sonhos a mais e mais gerações.