Todo especialista sabe que a poesia é importante no desenvolvimento intelectual e humano e que nos faz olhar o mundo de outros ângulos. Mas as dúvidas entre leigos persistem: como compartilhar poesia com os filhos, com as crianças que estão no processo de alfabetização? Qual poesia, quais poetas, quais temáticas? Quando chegamos numa biblioteca, numa livraria, ou quando adquirimos livros pela internet, o que escolher?

Gostaria de dividir com vocês reflexões sobre essas questões a partir da minha relação com a obra Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles (paixão de longa data, relatada aqui): o que observar quando escolhemos um livro de poesia para crianças.

O livro Ou isto ou aquilo, lançado em 1964, assinala uma ruptura de como a poesia para criança era pensada. Até então, a poesia incorporava a tarefa de transmitir valores, normas de conduta social, hábitos de higiene etc. A poesia era encontrada principalmente em livros didáticos, com uma visão supostamente “adulta” de mundo, com pobreza de linguagem e assuntos chatos.

A obra Ou isto ou aquilo quebra com todos esses “pré-conceitos” e inaugura uma nova visão sobre a poesia infantil. Os poemas privilegiam a visão de mundo sobre o universo da criança, o seu cotidiano, suas necessidades, seus medos e seus sonhos. E é incrível como as crianças se reconhecem nesta obra que ultrapassou gerações formando jovens leitores. Segundo a professora Ana Maria Lisboa de Mello, especialista na obra poética de Cecília Meireles:

“A criança sente prazer em vivenciar a semelhança e os contrates sonoros entre palavras, independente de sua significação. Por isso, o uso de recursos como trocadilhos, onomatopeias, aliterações, assonâncias, rimas, anáforas, aliterações e outros fatores de ritmo suscitam a fruição textual.”

Cecília trabalha com o jogo das palavras, explorando a sonoridade da linguagem como faz a poesia popular das quadras, parlendas, advinhas e trava-línguas, além de trazer temas que até então eram tabus para as crianças por serem considerados inadequados à infância. Encontramos nos poemas “As duas velhinhas”, “Pescaria”, “Uma flor quebrada”, e em muitos outros, temas como a fragilidade, a finitude da vida, a renovação, enfim, o ciclo da vida.

Assim, na hora de escolher livros de poesia para a criança, é importante sempre considerar essas questões que a Cecília nos traz: o olhar da criança e sua multiplicidade de significados, palavras sonoras e visuais e assuntos do cotidiano infantil que abram reflexões profundas sobre a condição humana.

Ou isto ou aquilo (escritora Cecília Meireles, ilustrador Odilon Moraes, editora Global).

Ou isto ou aquilo é uma obra com 56 poemas, organizado por outro grande poeta, o Walmir Ayala. As ilustrações, aquarelas de Odilon Moraes, revelam esse universo infantil na singularidade e complexidade do cotidiano.  A obra é publicada pela editora Global, que a reeditou com primor como um objeto-livro, fundamental nas estantes das casas e das bibliotecas brasileiras.

O Clube de Leitura Quindim tem o olhar parecido com o da Cecília sobre a criança e a infância. Por isso, seus assinantes de 6 a 9 anos receberam em suas mãos Ou isto ou aquilo em janeiro de 2017.


Dicas do Quindim de livros de poesia

  • Fruta no ponto – escrito por Roseana Murray e ilustrado por Sandra Javera, da editora FTD
  • A arca de Noé – escrito por Vinícius de Moraes e ilustrado por Laurabeatriz, da editora Companhia das Letrinhas
  • Televisão da bicharada – escrito por Sidonio Muralha e ilustrado por Claudia Scatamacchia, da editora Global
  • Boi da cara preta – escrito por Sérgio Caparelli e ilustrado por Caulos, da editora L&PM Pocket
  • Pé de pilão – escrito por Mário Quintana e ilustrado por Cárcamo, da editora Ática
  • Poemas para brincar – escrito por José Paulo Paes e ilustrador por Luiz Maia, da editora Ática
cecilia

Cecília Meireles nasceu no dia 7 de novembro de 1901 no Rio de Janeiro. Aos 3 anos de idade, perdeu a mãe e não chegou a conhecer o pai, que morreu antes de seu nascimento. Foi criada, então, pela avó materna. Faleceu no Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1964.

Foi poeta, ensaísta, cronista, folclorista, tradutora e educadora. Em 1919 a autora publica seu primeiro livro de poemas intitulado Espectros. Em 1934, Cecília Meireles organiza a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro. Em 1939, é agraciada com o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem. A partir daí conquistou vários outros prêmios. Em 1965, conquista o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.

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Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É diretor do Centro de Leitura Quindim e colunista do Publishnews.  Ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura, o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.