Ser uma mãe feliz, sem culpa, é algo possível? É sempre quando eu menos espero, é sempre sem avisar que a culpa me pega pela mão e caminha comigo pela vida. Pode ser em um dia de trabalho. Pode ser quando vou para a aula. Em uma viagem sem crianças ou em algum momento de diversão. Sempre aparece aquela voz que ecoa: “Será que você devia estar fazendo isso? Você é mãe!”. Tem vezes que não preciso de mais do que poucos minutos para silenciar esse sentimento. Mas, em outras, ele me paralisa e me impede de realizar o que eu quero.

Diante da culpa materna, reside em mim uma sensação de que nunca sou suficientemente boa como mãe. Tenho a expectativa de estar próxima dos meus filhos quando eles lidam com desafios, amparar suas fragilidades emocionais e contribuir para seu desenvolvimento constantemente. Por muito tempo, achei que isso só seria possível se eu me dedicasse exclusivamente a eles. Ou se fosse a pessoa que, de longe, passasse o maior tempo com seus cuidados. Esse sentimento não é exclusividade minha – talvez você, mãe do outro lado da tela, se sinta dessa forma também.

Esse tipo de sentimento tem suas razões históricas. Elisabeth Badinter mapeia essa questão no famoso livro Um amor conquistado – O mito do amor materno, lançado nos anos 1980. Foi a partir do século 18 que se construiu a ideia de que o amor que vem da mãe deve ser incondicional, puro e angelical.  As necessidades do filho, da família e do marido ficam em primeiro plano. Só depois, os desejos dessa mãe. Com ela, e inúmeros trabalhos delimitadores desse modelo – o de Rousseau é um deles –, aparece o padrão ideal, perfeito de maternidade.

O resultado é que, anos depois, ainda nos vemos sendo perseguidas por esse modelo, que parece nos invadir e nos julgar a cada vez que optamos por algo que não implica em por nossos filhos em primeiro lugar. Outros impactos dessa pressão para ser uma mãe perfeita são os diversos casos de mulheres acometidas por doenças mentais: depressão, ansiedade e até síndrome de burnout materna – um esgotamento físico e mental que foi registrado nos anos 1970, originalmente associado à vida profissional, mas que pode ser relacionado à sobrecarga que as mães sofrem.

Como driblar esse peso tão difícil de carregar e administrar? Longe de mim querer ter respostas prontas. O que descobri, ao contrário do que a culpa me fazia pensar, é que investir em mim mesma e na minha felicidade com frequência tem um efeito muito positivo sobre os meninos. Depois de me dedicar a algo de que eu gosto, volto melhor para os cuidados com eles. Tenho mais paciência diante das birras. Consigo ouvi-los e estar mais presente. Além disso, tenho mais disposição para a brincadeira e para as leituras.

Mais descansada de ser mãe, e sentindo que as minhas demandas e os meus desejos têm seus espaços, consigo ser criativa. É assim que, entre uma brincadeira e outra, enxergo oportunidades para propor discussões às crianças.  Para apresentar os temas que eu acho importantes e ter trocas afetuosas que, tenho certeza, os marcam como marcam a mim. Buscar ser um indivíduo inteiro, que não se restringe ao papel da maternidade, me salva. E ainda mostra para os meus filhos que eles precisam ser inteiros também – longe do papel de filhos e dos meus braços. Nessa complexidade, aprendemos juntos e crescemos juntos. E acho que devagar, passo a passo, vou abandonando a culpa materna.

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