A Literatura de Cordel é um gênero literário cujo texto se apresenta de forma rimada e metrificada, em uma sequência de estrofes. A estrofe mais comum, bastante utilizada no Cordel brasileiro, é a sextilha, uma estrofe de seis versos, em que a rima se manifesta no final dos versos pares:
Te convido a escutar
A beleza da poesia
Do encontro entre as palavras
Com encanto e a magia
Feche os olhos e desfrute
Qual fosse uma melodia…
Sextilha por Mari Bigio em “Cordel para Meditar”
Em 2018, a Literatura de Cordel recebeu do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o título de Patrimônio Cultural Nacional, respaldo mais do que merecido. A História da Literatura de Cordel se mistura com a própria História do Brasil, e o gênero se mantém vivo e pulsante, preservando a tradição, mas vivendo transformações e adaptações necessárias.
Por que se chama Cordel?
As origens do Cordel nos levam à Península Ibérica (Portugal e Espanha) e à região de Provença (França), onde foi muito marcante a presença dos Trovadores, cantadores andantes que contavam e cantavam histórias em verso e rima, e que, depois da imprensa, passaram a registrar os versos em folhetos para a comercialização.
Era cantado na Feira
Na Era Medieval
Seu nome vem do varal
Onde era exposto em fileira
Moedinhas na algibeira
Se um Trovador Europeu
Contava o que sucedeu
Num canto leve e rimado
O Cordel é Animado
Desde o dia em que nasceu!
Mari Bigio
Em Portugal, os folhetos ficaram conhecidos como “folhas volantes”, já na Espanha, como “pliegos sueltos” (folhas soltas). Somente na década de 70, aqui no Brasil, é que o gênero recebe o nome de “Cordel”, difundido pelo pesquisador francês Raymond Cantel e aceito, não de forma unânime, pelos poetas da época. Segundo Cantel, os folhetos podiam ser encontrados expostos em cordas e varais, nas feiras livres dos mais diversos locais. O Brasil adota a nomenclatura que ficou famosa até os dias atuais.
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O Cordel é nosso!
Pode-se dizer que o Cordel é genuinamente brasileiro, já que é aqui que ele recebe este nome: é aqui que a sextilha é adotada como forma principal (uma vez que o texto vindo da Europa era escrito em quadras, oriundas das Trovas, dos Trovadores); é aqui, em meados do século XIX, que é criado o “sistema cordelístico” brasileiro, pelo grande editor e poeta Leandro Gomes de Barros (Pombal-PB 1865 – Recife-PE 1918), que transforma o Cordel em um produto rentável, capaz de ser amplamente distribuído e popularizado. Leandro Gomes de Barros é considerado “o pai” da Literatura de Cordel, e foi um dos maiores cordelistas da história, com centenas de folhetos publicados, e títulos que alcançaram milhares de cópias vendidas.
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Cordel e Xilogravura
Hoje é quase impossível dissociar a Literatura de Cordel da Xilogravura. Vale dizer, no entanto, que são artes independentes que se complementam, a partir de um encontro, um “casamento” que deu certo. Os primeiros folhetos impressos no Brasil não possuíam ilustrações na capa, apresentavam as chamadas “capas cegas”, contendo apenas título e autoria. Para alcançar mais pessoas, levando em conta que boa parte da população não era alfabetizada, os editores passaram a inserir imagens aleatórias: recortes de jornais, revistas, cartazes de cinema, para ilustrar os livretos. Quando a rusticidade do traço da Xilogravura se conecta às fabulosas histórias narradas em verso e rima, a fusão se torna um verdadeiro marco na trajetória dessas duas artes populares.
“Xilo”, do grego, significa “madeira”; “Gravura” significa “desenho”; a Xilogravura é um desenho (carimbo) talhado na madeira.
Cordel sem Machismo
Forjado no seio de uma sociedade aristocrática, colonial e patriarcal, as origens do Cordel brasileiro apresentam traços fortes do machismo e misoginia. A primeira cordelista de que se tem notícia, Maria das Neves Batista Pimentel, assinava seus folhetos com o pseudônimo de Altino Alagoano, nome de seu marido, para que seus escritos tivessem uma chance de serem apreciados. Mesmo sendo filha de um grande editor da época, somente após a morte do pai é que Maria das Neves publica seu primeiro folheto, ainda assim, com um texto que reproduz nitidamente o machismo em seus versos: “O violino do diabo, ou o valor da honestidade”, de 1938.
Atualmente somos inúmeras mulheres escrevendo, editando e ilustrando cordéis e, claro, combatendo o machismo. Em 2020, é engendrado o movimento Cordel Sem Machismo, que ganhou hashtag e uma página no Instagram (@cordelsemachismo), após um ataque verbal sofrido pela companheira Izabel Nascimento, cordelista da liderança do Cordel sergipano, quando da sua participação em um evento virtual. Mulheres cordelistas de todo o país se uniram para uma campanha… que é, na verdade, uma causa permanente.
Cordel para Crianças
Apesar de apresentar diversos enredos com personagens, cenários e contextos extremamente lúdicos, a produção de Cordel voltada especificamente para o publico infantil é bem recente. Temas do universo da infância, abordagem adequada e acessível, fazem um par perfeito com as rimas, ritmo e toda a estética da Literatura de Cordel. César Obeid, Marco Haurélio, Susana Morais, Érica Montenegro, Cris Gouveia, Amanda Sena, Abdias Campos, Ana Raquel Campos, Sandra Lane, Arievaldo Viana, Rouxinol do Rinaré, Julie Oliveira e esta que vos fala, Mari Bigio, são algumas das referências nesse recorte de público.
Os cordéis ganham novos suportes, com folhetos ilustrados, coloridos e interativos, e algumas histórias passam a figurar em livros, tudo com o objetivo de aproximar as gerações mais jovens desse gênero tão tradicional e culturalmente rico. O Cordel é lembrado nas escolas em alguns ciclos esporádicos, como o Ciclo Junino e as comemorações do Dia do Folclore. Vale dizer que o Cordel é plural e dialoga com os mais diversos temas, e que falamos aqui de uma Literatura com L maiúsculo, Patrimônio Cultural da Nação, que deve ser, portanto, valorizada, estudada e difundida como tal.
Você pode conferir também o vídeo do Canal Mari Bigio – Lampião, lá do Sertão – Cordel para Crianças
Fontes consultadas (referÊncias):
– AMORIM, Maria Alice. Pelejas em rede: vamos ver quem pode mais. Recife: Zanzar Edições, 2019. 320p.
– CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO O UNIVERSO DO CORDEL, 1., 2008, Recife. O Universo do Cordel. Recife: Ins6tuto Banco Real, 2008. 58 p.
– HAURÉLIO, Marco. Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula. São Paulo: Paulus, 2013. 165 p.
– HOLANDA, Arlene; RINARÉ, Rouxinol do. Cordel: criar, rimar e letrar. Fortaleza, Imeph, 2009. 96 p.
– MOREIRA, Verônica. O Canto da Poesia. Recife: Edições Bagaço, 2006. 200 p.
– TAVARES, Braulio . Ate e Ciência da Cantoria de Viola: Cantoria: regras e estilos. 2. ed.Recife: Edições Bagaço, v. 1, 2016. 182 p.
– RODRIGUES, Shirley; FRAGA, Eulina (org.). O Cordel de Escrita Feminina em Pernambuco: um breve mapeamento. Recife: Edição Independente, 2018. 40 p.
– MELO, Rosilene Alves de. Arcanos do Verso: trajetórias da literatura de cordel. 2010. ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. 204 p.