Ler para uma criança deixa marcas. Cria memórias para toda uma vida. Transforma. Dá afeto, amor. É isso o que descobrimos nos relatos sobre os livros infantis que marcaram a infância de grandes nomes da literatura infantil brasileira.
Em comemoração ao Dia Internacional do Livro Infantil, criado em 2 de abril em homenagem ao escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, pedimos para que grandes autores, críticos, pesquisadores e influenciadores (muitos deles nossos curadores) contassem um pouco sobre suas primeiras lembranças acerca de um livro infantil. Confira a seguir.
Depoimentos
“Vou falar de um livro que, com suas imagens, marcou minha infância e influiu não só na minha decisão de me tornar desenhista, como na construção de minha visão de mundo. Era um livro velho, grandão, de capa dura, grosso e cheio de desenhos coloridos, impresso em Portugal lá pelo fim do século XIX. Não trazia título, nome do autor, editora, data de impressão, nada. Nenhuma referência bibliográfica. Suas páginas eram impressas só na frente com os versos permanecendo em branco. Com certeza, eram gravuras soltas usadas como material escolar, coisa do tempo dos meus avós, que ficaram guardadas e, mais tarde, meu pai juntou e mandou encadernar colocando um título genérico na lombada: ‘Livro de Gravuras’.
Ricardo Azevedo, escritor e ilustrador premiado, pesquisador e curador do Clube Quindim
Com o ‘Livro de Gravuras’, hoje eu vejo, tomei consciência do tamanho do mundo e de quanta coisa existe e merece ser vista. Recebi também através dele – afinal suas imagens mostravam detalhadamente um cotidiano de outra época – uma primeira visão do Tempo e da História.”
“Por que ‘As Meninas Exemplares’, da Condessa de Ségur, deixaram em mim o anseio permanente de um lugar campestre, de um grupo feminino, de mulheres que geriam seu cotidiano, pois os maridos estavam distantes, na guerra? Por que me identificava com Camila e Madalena, as duas irmãs, e a vizinha Margarida, igualmente bem-comportada? Que lugar ocupava para mim Sofia, que vivia de desastre em desastre, à beira das punições da madrasta e ao abrigo da solidariedade das outras meninas e de suas mães?
Nilma Lacerda, professora universitária, pesquisadora premiada e curadora do Clube Quindim
Essas personagens e suas peripécias deixaram em mim um fundamento, um lugar interno, sem necessitar de motivação para ativar-se, ainda que de minha janela veja a pitangueira do fundo do quintal e a enorme espatódea ao lado dela. Eu estava lá, e era elas. Aprendia essas possibilidades, experimentava paisagens.
Por que levo o verbo ao plural ao considerar que ‘As Meninas Exemplares’ são o livro da minha infância? Porque nesta novela que crianças também leem está a menina que vive dentro de mim, estão os livros da infância. Todos eles, e não foram poucos.”
“Um dos livros que mais me marcou na infância foi ‘A alegre vovó Guida, que é um bocado distraída’, de Tatiana Belinky. Achava muito engraçadas as trapalhadas todas daquela velhinha e lembro de dar muitas risadas nas repetidas leituras que fazia. Também sempre tive uma ‘quedinha’ pelos livros rimados, cheios de melodia, e essa obra é um prato cheio. Um dos poucos livros da minha infância que não foram doados e tenho guardado até hoje com muito carinho. Marcou tanto que foi a primeira história que contei no canal!”
Flávia Scherner, atriz e apresentadora do canal de YouTube “Fafá Conta”
“Pensei em ‘O Gato Malhado’ e a ‘Andorinha Sinhá’, tanto pelas palavras do Jorge Amado quanto pelas ilustrações espetaculares do Carybé!”
Roger Mello, autor, ilustrador e dramaturgo, premiado pelo nobel da literatura infantil, o Hans Christian Andersen
“A história da simpática lesma que fazia tudo de-va-ga-ri-nho foi uma das que mais me marcou na infância. O livro ‘Lúcia Já-Vou-Indo’, da escritora e ilustradora Maria Heloísa Penteado, entrou na minha vida pela minha mãe, que me contou a história milhares de vezes até eu aprender a ler. Lembro de ficar fascinada com as ilustrações, em especial com a página dupla em que Lúcia tropeça na pedra à caminho da festa. Como esquecer a cara da pedra, quase sádica, olhando de soslaio Lúcia rodopiar! Lembro o quão triste ficava com os desenhos da lesma chorando por ter perdido a festa – ela demora tanto para se deslocar que, quando chega, até os convidados já tinham ido embora. Em 2013, tive o privilégio de entrevistar Maria Heloísa, então com 93 anos, em seu apartamento, onde morava com a irmã. Aquela tarde passou de-va-ga-ri-nho. Conversamos, tomamos chá. Ela me mostrou os originais do Lúcia e autografou a nova edição do livro, que estava sendo lançada na ocasião pela Editora Ática: ‘Para Bia, com minha amizade, Maria Heloísa’. As lembranças da entrevista – acredito que a última que Maria Heloísa deu antes de morrer, em 2 de novembro de 2014 – me marcaram tão profundamente como sua lesma Lúcia.”
Bia Reis, jornalista, colunista da “Estante de Letrinhas”, pesquisadora e curadora do Clube Quindim
“Um livro que marcou minha infância foi ‘A bolsa amarela’, da Lygia Bojunga. A personagem guarda em sua bolsa três grandes desejos que são incompreendidos pela família. Há um galo (será de verdade?) escondido na bolsa para cuidar desse segredo. Não me lembro direito da história, mas sim de uma forte identificação com a personagem, não pelos desejos em si, mas pela incompreensão vivida. Esse espelhamento foi tão forte na época que quase cheguei a pensar que ela era eu, afinal, o nome dela é Raquel.”
Raquel Matsushita, escritora, ilustradora e designer premiada
“Eu tinha 9 ou 10 anos quando li ‘Caçadas de Pedrinho’. A leitura do livro foi indicada pela escola e me seduziu pela aventura que Pedrinho me proporcionou, com os planos de caçar a onça. Me coloquei no lugar de Narizinho na caçada à onça e me lembro do fascínio que me causou. Nessa época, menina podia muito pouca coisa e brincadeira de menino era muito mais emocionante. E foi o que a leitura de ‘Caçadas de Pedrinho’ me proporcionou: aventura com muita emoção!”
Graça Castro, professora universitária e curadora do Clube Quindim
“O que marcou minha infância e minha vida fundamente foi o conjunto de leituras feitas entre os 6 e os 9 anos, livros de aventuras – “A Ilha do Tesouro”; “A Ilha Misteriosa”; Robinson Crusoé; os livros de piratas e os do Far West de Emilio Salgari; mitologia grega; a Ilíada e a Odisséia; os contos de Poe; as lendas arthurianas; D. Quixote, alguns adaptados e outros escritos para jovens.”
Marina Colasanti, uma das maiores escritoras brasileiras da atualidade e curadora do Clube Quindim
“O livro que mais marcou minha infância foi uma coleção que minha mãe herdou da minha avó chamada ‘O mundo da criança’. Os três primeiros volumes eram de poesia, histórias acumulativas, contos de fadas, contos populares. Várias coisas me marcaram no contato com esses livros: a capa dura de um vermelho sangue com pequenas gravuras em preto e as letras douradas, a delícia de segurar o livro de tamanho grande, pois já me considerava leitora. Uma segunda coisa foram as histórias, quantas delas eu não reproduzi com minhas próprias palavras em brincadeiras com as primas. E as ilustrações coloridas me transportavam e com certeza facilitaram a minha compreensão dos textos. Mas o mais importante acho que foi a mediação da minha mãe, me lembro como momentos únicos da minha infância, eu e minha mãe sentadas no sofá e ela proferindo o texto para mim e me mostrando as imagens, que delícia, momentos únicos de muito amor e carinho, que, de uma forma ou de outra, me fizeram ser professora de literatura infantil e uma mãe que também se preocupa com a formação literária de suas filhas.”
Renata Junqueira, professora universitária, pesquisadora premiada e curadora do Clube Quindim
“Acho que em diferentes momentos da minha infância diferentes livros me marcaram. Um deles foi ‘O velho e o mar’. Eu morava em Santos. Praia e mar eram minha segunda casa. O livro me sugeriu mistérios e surpresas à primeira vista invisíveis… Reli várias vezes, torcendo às vezes pelo homem, às vezes pelo peixe…”
Marisa Lajolo, ensaísta, pesquisadora premiada, crítica literária, professora universitária e curadora do Clube Quindim
“Foram alguns livros e não somente um. Os livros do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Morei no interior de Minas, estudei em grupo escolar, onde havia uma biblioteca. Ali, a gente podia pegar emprestado um livro a cada semana. Os livros do Lobato, poucos exemplares, eram disputadíssimos. Quando descobri que eu podia ter uma carteirinha na Biblioteca da Prefeitura, minhas pernas se alegraram. Li repetidas vezes as histórias do Sítio. Em especial, ‘Viagem ao céu’, ‘A chave do tamanho’, meus prediletos. Eu era moradora do Sítio, segredo que cultivava no meu quarto ou no quintal, onde eu me deixava levar pela leitura apaixonada…”
Ninfa Parreiras, psicanalista, escritora e curadora do Clube Quindim
“Na infância onde me organizo para visitas, vivem vários livros pelos quais tenho muito carinho. O primeiro que minha memória reconhece foi um livro indicado por uma professora chamada Sônia, no meu primeiro ano da escola. Chama ‘A mochila que pesava demais’, primeira edição em 1988 de Regina Souza Vieira. O livro ganhou voz em casa, meu irmão mais velho emprestou a sua para o livro falar comigo e foi aí que conheci Pedro e sua mochila, sua mãe, várias situações, desejos e vontades. Pedro tornou-se um semelhante, amigo próximo. Tenho até hoje o livro em sua primeira edição, ele me convida a novas leituras sempre que mexo em coisas e objetos de minha infância: papel de cartas, embalagem de doce, cadernos de anotação, fotos, figurinhas e tazos. Pedro me permitiu desde cedo pensar sobre o que levamos e o que fazemos com o que levamos. Na época não me pareceu besteira e hoje tem sido uma necessidade cotidiana refletir sobre. Ao Pedro, à Sônia e ao meu irmão mais velho, obrigado.”
Beto Silva, pedagogo, psicopedagogo e curador do Clube Quindim
Um dos livros que mais marcou a minha infância foi ‘O menino mais bonito do mundo’, do Ziraldo. Na verdade, eu não entendia bem o livro. O que me marcou profundamente foi o olhar de encantamento de minha mãe ao lê-lo para mim. Era tão lindo o olhar dela que eu o abracei. Lia e relia a obra sentindo o encantamento dela, sem entender bem o que no livro a contagiava daquele jeito. Anos mais tarde, reli a obra e finalmente entendi. A obra é linda. Mas foi o olhar da minha mãe que a tornou tão especial para mim.
Renata Nakano, pesquisadora, idealizadora e diretora geral do Clube Quindim
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