Nasce um bebê, nasce uma mãe. Muitas vezes, nasce também uma culpa e, de vez em quando (infelizmente, porque isso deveria ser frequente), nasce também um pai presente e participativo.
Naquela loucura inicial para entender e acolher as necessidades dos pequenos, os primeiros dias se transformam em meses, que depois se tornam anos, ao longo dos quais muitos de nós acabam por reproduzir frases negativas e comportamentos na educação dos filhos que experimentamos na infância sem ao menos perceber como nos fizeram mal.
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Não se trata de impor padrões inatingíveis de maternidade e paternidade, nem de estabelecer uma série de regras do que é certo ou errado fazer. Se entendemos que não existe um manual para a criação de filhos, precisamos compreender também que, enquanto indivíduos e sociedade, estamos em constante evolução. Assim, o que era tido como aceitável, recomendável ou mesmo certo há duas ou três gerações, não necessariamente será agora.
Pensando nisso, separamos algumas frases que muitos de nós ouviram quando eram crianças e alguns bons motivos para não as repetir para nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos e demais crianças do nosso convívio. Que tal embarcar com a gente nesse convite à reflexão, em busca de se tornar uma versão melhor de si mesmo?
Responsabilidade com as palavras
Como primeiras e principais referências para as crianças, é natural que as palavras ditas por seus cuidadores primários tenham um peso e um significado bem grande na vida dos pequenos. Assim, vale a pena refletir sobre o que estamos dizendo aos nossos filhos, já que é bem provável que as frases negativas sejam carregadas como verdades absolutas durante boa parte da vida.
1. “Por que você não pode ser mais parecido com a criança tal?”
Pode ser tentador comparar o talento do seu filho com o de outras crianças na expectativa de que ele vá se sentir estimulado a se aprimorar em uma determinada tarefa. Mas as chances de o tiro sair pela culatra são bem grandes, além de fazer que a criança se sinta diminuída aos seus olhos. Em vez disso, que tal focar na sua criança e em como ela é capaz de conquistar resultados melhores com seu próprio esforço, dia após dia?
2. “Pare de frescura! Não doeu nada/não foi tão ruim assim.”
Mentir para uma criança, na tentativa de tornar algo menos desagradável, compromete a relação de confiança entre vocês. Logo, não é um bom caminho a seguir. É preferível dizer para a criança que a vacina vai doer um pouco, mas que é fundamental para preservar sua saúde, do que mentir dizendo que a injeção não dói nada. O mesmo vale para medicamentos com gosto ruim, mas que são necessários para sua recuperação, e também para os machucados. Se a dor não dói em você, não diga que não foi nada demais e que já passou. Respeite e acolha os sentimentos do seu filho.
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3. “Você é tão preguiçoso/chato/teimoso/tagarela..” ou “bonzinho/inteligente/bem comportado…”
Todos nós somos indivíduos complexos, e isso obviamente inclui as crianças, que estão em plena fase de desenvolvimento e formação. Por isso, todo tipo de rótulo tende a reduzi-las às suas atitudes, quando, na verdade, elas são bem mais do que isso.
Vamos ver um exemplo. Se a criança voluntariamente quiser dividir um brinquedo com um coleguinha, você pode elogiar a atitude dizendo algo como: “Que legal! Você teve uma atitude muito gentil ao compartilhar o seu brinquedo!”. Perceba como isso é diferente de dizer “Nossa, como você é boazinha! Isso mesmo, empreste sempre as suas coisas, ou ninguém vai querer brincar com você”.
Da mesma maneira, categorizar uma criança como bagunceira por não recolher seus pertences depois que acaba de brincar, além de comprometer sua autoestima, dificilmente terá o efeito esperado de torná-la mais organizada. Em vez disso, que tal dizer “Posso te ajudar a recolher os brinquedos, assim você já sabe como fazer da próxima vez” ou “Vamos juntar tudo isso antes de brincar de outra coisa?”.
4. “Foi bom, mas poderia ser melhor.”
Se sua criança foi bem em uma tarefa, trabalho escolar ou atividade, dizer que poderia ser ainda melhor é uma maneira de desvalorizar a conquista que já está ali, diante dos seus olhos. A criança pode achar que nunca será boa o suficiente pra você, e dar início a uma corrida em busca de uma perfeição que não existe (nem para ela, nem para ninguém), ou ficar tão desestimulada que prefira desistir.
Reconheça o esforço e valorize o processo, que é muito mais importante do que o resultado. Uma criança que compreende que seu comprometimento e dedicação trazem resultados cada vez melhores fica mais preparada para lidar com as frustrações que, naturalmente, fazem parte da vida.
5. “Eu já repeti isso mil vezes, você não aprende nunca?”
Faz parte do desenvolvimento infantil esquecer as coisas, bem como precisar de muitas repetições até introjetar um novo hábito ou comportamento. Por isso, se seu pequeno não aprender na primeira vez (ou na segunda, ou na vigésima…), não diminua sua capacidade de melhorar com o tempo fazendo que ele se sinta mal por ter errado. Tenha paciência e repita, de outras maneiras, até que se torne algo natural e parte do cotidiano de vocês.
6. “Se você não fizer isso ou aquilo, eu vou…” ou “Vai continuar teimando? Vou embora sem você!”
Chantagear uma criança para que ela faça o que você quer, sob pena de não gostar mais dela, de colocá-la de castigo ou seja lá o que for, reforça a ideia de que eles precisam ser e agir exatamente como os outros esperam e desejam para que sejam amados.
Dizer que você vai embora sem seu filho porque ele está chorando e fazendo birra pode até ter o efeito esperado para o momento, mas é uma das piores frases negativas e vai minar a relação de confiança entre vocês. Primeiro porque, se você realmente der as costas e começar a andar, a criança vai entrar em desespero achando que será abandonada por ter feito algo que você não gostou. E, segundo, porque ameaçar sem cumprir faz que sua palavra, aos poucos, perca o valor. Não há como a criança saber em que circunstâncias ela poderá ou não confiar no que você diz, por isso é tão importante ser coerente.
7. “Pare de chorar!”
Essa é, sem dúvidas, uma das frases negativas mais ouvidas e mais faladas nas relações entre pais e filhos. Muitas vezes é pelo choro que a criança vai conseguir regular suas emoções, especialmente se for menorzinha e ainda não tiver um vocabulário extenso o bastante para dar conta de expressar tudo o que sente. Se nós que somos adultos enfrentamos essa dificuldade, imagine um indivíduo ainda em formação?
Dizer para uma criança engolir o choro é o mesmo que dizer que seus sentimentos não são importantes, e que manifestar suas emoções (especialmente aquelas tidas como “ruins”) é um incômodo para os outros. Imagine quantos problemas não poderiam ser evitados se, como sociedade, fossemos educados para saber nomear nossos sentimentos e processar aquilo que estamos vivendo?
Por isso, quando sua criança estiver alterada e chorando, ofereça seu colo e seu abraço para ajudá-la a se regular. Se ela preferir ficar sozinha, avise que vai estar por perto para quando ela se sentir melhor e quiser conversar ou apenas se sentar em silêncio com você.
Não saia de perto expressando raiva pelo comportamento da criança, por mais que seja difícil para você lidar com isso. São em momentos como esse que nós devemos agir como os adultos da relação, indicando o caminho e nos oferecendo para estar ao lado deles nesse caminhar.
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