As imagens estão por toda parte, integram nossa comunicação e por vezes até nos saturam, tamanha a sua quantidade hoje, em smartphones, computadores, televisores e tablets. Não à toa se fala que vivemos a Era da Imagem. Nesse mundo intensamente visual, como educar as crianças para entenderem essa narrativa, para diferenciarem as imagens de um livro das imagens animadas da TV, e como contribuir para que tenham um bom repertório imagético?
Para buscar essas respostas, o Clube Quindim conversa com Graça Lima. Uma de nossas curadoras, Graça começou a trabalhar com design gráfico nos anos 80 e já ilustrou mais de 50 livros. Ganhou vários prêmios com seu trabalho, entre eles os da FNLIJ, Prêmio Luis Jardim, Prêmio Malba Tahan, Prêmio O Melhor para o Jovem e muitos selos Altamente Recomendável, e ainda recebeu o Prêmio Jabuti três vezes na categoria de ilustração. Alguns de seus trabalhos foram incluídos em publicações como o Catálogo de Ilustradores da Feira de Barcelona, na Espanha, e o da Feira de Frankfurt, na Alemanha. Confira a seguir nosso bate-papo.
Clube Quindim: Em relação à formação de repertório, qual a diferença entre as ilustrações a que assistimos nos desenhos animados nas TVs e as que vemos nos livros infantis?
Graça Lima: O desenho animado comercial é produzido em grande escala, e por isso tende a trabalhar com uma lógica de simplificação para ser possível a feitura de muitos desenhos pela equipe. Há desenhos animados de séries, como “Samurai Jack” ou “TrombaTrem” (brasileiro), que assumem uma estética de composição e cenários mais elaborados. O livro tem outra natureza, ele está como um suporte de narrativa única e deve se aproximar das questões das artes visuais. O diálogo entre texto, imagem e a materialidade do objeto é único e tem um tempo diferenciado. Há desenhos animados, como no caso dos longa-metragem, que elaboram muito esse discurso também. Diretores aclamados como Wes Andersen utilizam a linguagem para suas narrativas direcionadas para um público mais maduro.
Assim como no desenho animado comercial haverá muito material de qualidade questionável, no livro infantil esse problema também poderá ocorrer. O importante é que seja oferecido à criança em formação uma diversidade. Ela formará repertório a partir da pluralidade de narrativas que lhe forem apresentadas. No Brasil, a educação do olhar é muito restrita. A criança é colocada em contato com uma estética quase única, oferecida pela televisão, games e internet… Há pouco contato com arte e observação, com reflexão artística e por isso uma redução muito significativa do espectro de seleção de imagens que fujam ao padrão. O consumo de livros de qualidade de texto e imagem gera um ser sofisticado no sentido geral de sua formação.
C.Q.: Kveta Pacovsca diz que o livro infantil é a primeira galeria de arte da criança. Qual a importância de se oferecer uma diversidade de estilos, cores e formas desde o primeiro ano da criança?
G.L.: Ela está totalmente certa. Como citei na resposta anterior, é a diversidade de estilos, de ofertas que forma um olhar. No caso do trabalho de Kveta, há um aspecto muito importante que é o respeito à cultura. Todo o seu trabalho parte de referências culturais e se estende, se alonga em direção a um discurso de arte mundial. O importante é que ela preserva a sua identidade. No Brasil temos também vários criadores que vêm pensando a estética a partir dos referenciais culturais locais e na perspectiva da produção mundial, como é o caso do Roger Mello, entre outros.
C.Q.: Muitos adultos costumam ver a ilustração apenas como uma repetição do texto, para auxiliar aqueles que ainda não são alfabetizados a acompanharem a história. No livro ilustrado contemporâneo, porém, a ilustração é considerada uma linguagem com importância igual à da palavra. Como ajudar os pais a perceberem a importância da formação do leitor de imagens?
G.L.: A imagem e a palavra estão intimamente ligadas, estão em enlace. São formas diferentes de narrativas que se enriquecem dentro de um objeto que é o livro. Perceber o conteúdo narrativo de uma imagem é perceber o silencio. Silêncio que tanto nos falta nesse momento barulhento da contemporaneidade. Observar o detalhe, o vazio, a cor e a composição é se encher de um sopro que nos foge no turbilhão de eventos que se sucedem a cada dia… Penso que os pais deveriam, porém muitas vezes não lhes é dada essa opção, ter locais de contemplação e fruição artística. Acho que, no mundo pleno de imagens carregada de textos, nos falta o tempo de perceber o segundo plano… o que estão a dizer na nossa cara. O mundo de mensagens fakes passa pelo domínio total de articulação de imagens e textos pela mídia… acho que os pais deveriam pensar um pouco sobre isso.
C.Q.: Acadêmicos como Neil Postman alegam que vivemos na Era da Cultura da Imagem. Alguns, como ele, têm uma visão apocalíptica sobre esse momento. No que consiste a Cultura da Imagem e como os pais podem lidar com ela na educação?
G.L.: A cultura da Imagem é soberana, sob muitos aspectos, sobretudo para determinar consumo. O mal está no fato de as pessoas se tornarem reféns da imagem, de algo que lhes dita o caminho da vida, da importância dessa ou daquela estética no meio social. A imagem tem questionamentos desde as eras mais remotas pelo seu potencial de abrangência. Criar imagens, ter habilidades com o discurso dessa criação, tem sido visto por pesquisadores como elemento de sofisticação da percepção em formações diversas. Médicos que desenham ou pintam ou se envolvem com qualquer tipo de discurso artístico tendem a ter mais acuidade para detalhes quando lidam com um paciente, e além disso amenizam a carga emocional do cotidiano da profissão.
C.Q.: Quais competências a narrativa do livro impresso desenvolvem que não são trabalhadas nas narrativas dos tablets, smartphones e televisão?
G.L.: Olha… são suportes variados, e o suporte, em si, não me parece o limitador. O limite está em quem introduz e manipula o suporte. Tecnologias não são necessariamente o mal. As tecnologias estão aí para nos auxiliar. Creio que a televisão tem um discurso voltado para fins de consumo, e entre as programações infantis há rios de propaganda. Já o tablet e os smartphones são suportes.
Outro dia vivi uma experiência interessante: estava no hospital esperando por um exame e havia, na mesma sala, uma moça com um bebê que não parava de chorar. O bebê era bem pequeno. Num dado momento, a moça entregou para o bebê um celular com a “Galinha Pintadinha”, e esse ser mínimo parou de chorar e, com dedos mínimos, começou a interagir com a tela e com aquela narrativa. Não me contive e perguntei a idade do bebê – seis meses! Então, veja, as crianças hoje têm um domínio sobre o suporte desta natureza… é ruim? É prejudicial? Creio que talvez mais o conteúdo que se disponibiliza do que o suporte em si.
Há um dado que é a leitura em suporte luminoso e com frases que se deslocam e fazem mil piruetas. Creio que deixar uma criança a cargo desses objetos é conferir aos mesmos um grau de autonomia para educar um ser para se abstrair do entorno e não ser alguém capaz de interagir e agir socialmente com o coletivo. Livros podem e devem ser lidos em conjunto, no aconchego, no silêncio do ser.
Conheça alguns livros de Graça Lima que já foram enviados pelo Clube de Leitura Quindim:
Abaré
Este livro de imagem narra um dia de um índio mati e seus abarés (amigos). Os matis têm grande amor pela floresta e pelos animais, e para eles todos são abarés! O livro de imagem é um livro sem texto, em que a narrativa acontece exclusivamente pela imagem.
Ele desenvolve uma série de competências de leitura. Nele, a criança precisa, por exemplo, compreender o tempo da narrativa pela sequência de imagens e entender as convenções dessa linguagem.
A boca da noite
Olhando para além de onde as pernas podem alcançar, o menino Kupai questiona o movimento do universo e mostra a relação do homem com a natureza. Um trovão, um rio, um anoitecer podem trazer nossos medos, nossos questionamentos sobre perdas, sobre a finitude da vida. Mas também podem resgatar a importância da conversa, da convivência familiar. A ilustração neste livro ganha a força de um personagem com movimentos, formas e cores.
Cadê?
Num jogo de perguntas e respostas, a relação de afeto entre mãe e filho, criança e adulto vai se estabelecendo. A palavra “criança” tem ligação com a palavra “criar”, e seu significado com o constante processo de desenvolvimento do imaginário. Nesta história, a criança desafia o adulto a imaginar além do que está vendo.
Gato pra cá, rato pra lá
Esta é uma história para deixar a imaginação solta pelos telhados e mirar longe no céu da poesia. Nesta história, que nasceu de uma velha anedota que a escritora ouviu quando criança, as relações são reveladas pelos personagens que misturam sentimentos e comportamentos humanos como compaixão, tristeza e amor. E se modificam ao longo da narrativa.
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