Imagine a cena: seu filho está cansado depois de um dia de aula, você exausta após um longo dia de trabalho. Os dois se encontraram na saída da escola, e você só precisa dar uma passada rápida no supermercado antes de voltar para casa. Mas, na fila do caixa, um chocolate chama a atenção da criança, que está com fome e ainda não jantou. Antes mesmo de qualquer pedido, você diz: “Não mexa nisso”, ou “agora não, só depois do jantar”. Mas o cérebro da criança não lida muito bem com a negação. O resultado pode ser muito choro e descontrole emocional, a famosa “birra“.

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“Para crianças é mais fácil compreender uma frase dita no positivo do que no negativo. Em vez de falar ‘não corra’, diga: ‘vamos andar por aqui’. É uma forma de conduzir sem achar que ela precisa obedecer. Afinal, o trabalho da criança é explorar o mundo e testar os limites do seu corpo e do que ela pode fazer”, afirma Maya Eigenmann, educadora parental e autora do best-seller A Raiva Não Educa, A Calma Educa. “Não gosto da palavra ‘limite’, prefiro ‘condução’. Nosso trabalho não é ser uma barragem, mas uma margem para a criança”.

Maya reconhece que há, hoje em dia, uma polarização entre o excesso de “nãos” e a permissividade. Mas ressalta que a Educação Respeitosa não tem nada a ver com dizer apenas “sim” e satisfazer todos os desejos da criança. 

Segundo a educadora parental, vivemos em uma sociedade de hierarquia, em que o adulto está sempre acima da criança. Por isso, fazemos mais uso do “não” do que o necessário. Aquela obrigação do casaquinho quando estamos no inverno, mesmo que não esteja fazendo tanto frio, ou a proibição do banho de chuva, por exemplo, muitas vezes são “nãos” sem razão de ser. “É preciso desapegar de coisas como a roupa que a criança veste. Assim como o adulto, ela sabe verbalizar quando está com frio”, explica a educadora. “Não usamos um casaco sem estar com frio, mas esperamos que a criança faça isso”. 

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O que fazer em vez de dizer não?

Ofereça opções: seu filho pode não querer usar um casaco, mas gostar de uma blusa de manga comprida ou preferir uma meia-calça, em vez de uma calça de moletom, por exemplo. Muitas vezes, os adultos também têm dificuldades de entender que as crianças ainda estão desenvolvendo habilidades sociais e não se prendem às convenções. Qual o real problema de ir a um jantar com uma camiseta? Ou de pular no sofá de maneira segura? Por que adultos se incomodam tanto com crianças rindo e falando alto em um restaurante, mas eles mesmos riem e falam alto no mesmo espaço?  

“Existe um adultismo estrutural, mas são convenções que não servem para nada no mundo infantil. Valorizamos estilistas e criadores de moda que são revolucionários, mas não damos a uma criança o direito de ela se vestir como quiser”, ressalta Maya.

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É claro que há decisões que são exclusivamente dos adultos. Se uma criança diz que quer pular da janela para voar como o Super-Homem, ou que não quer tomar um remédio quando está doente, ou mesmo se recusa a tomar uma vacina, é preciso ser firme. A maneira mais eficaz, no entanto, não é pela negativa.

É preciso, antes de tudo, afastá-la do perigo — especialmente em casos de risco iminente, como o da criança que quer sair voando pela janela. Depois, ter paciência e saber qual a melhor maneira de explicar a ela as consequências daquele ato.

Além disso, os pais precisam estar calmos e saber que, provavelmente, será preciso repetir muitas e muitas vezes a mesma mensagem. Faz parte do processo para que a criança entenda o que está sendo pedido, já que existe, por parte delas, uma grande dificuldade de concentração — o que é normal e varia de acordo com cada idade.  

Nem sempre é fácil, é verdade. Adultos cansados e sobrecarregados tendem a ser mais propensos a dizer “não”, explica a escritora, que em agosto lança seu segundo livro: Pais feridos, filhos sobreviventes e como quebrar esse ciclo. Na obra, ela propõe a reeducação dos adultos:
 
“Muitas vezes, a sobrecarga do dia a dia faz com que digamos ‘nãos’ desnecessários. Sempre convido os pais a refletirem sobre o porquê daquele ‘não’, para entender se ele é realmente necessário. Muitas vezes não é”, ressalta Maya, que também é pedagoga e pós-graduanda em Neurociências e Educação Positiva.

Descontrole emocional

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Diante de um comportamento considerado inadequado, como a recusa em tomar banho ou uma resposta mais agressiva sem motivo aparente, a primeira pergunta que os pais devem se fazer é: por que será que meu filho está agindo assim? Pode ser que seja realmente uma maneira de a criança chamar a atenção do adulto (que está muito tempo no celular ou trabalhando no computador); mas também pode ser que ela esteja somente se divertindo, sem perceber que o assunto é sério ou que aquela brincadeira pode não ser apropriada.

Por isso, combinados prévios são fundamentais para evitar conflitos — ou as “birras”. Ir às compras, por exemplo, ou mesmo a hora de tomar banho, devem ter regras previamente acordadas. Mas sabemos que nem sempre dá certo. 

Voltemos então ao exemplo do começo do texto: como agir quando uma criança se descontrola emocionalmente, se joga no chão ou começa a gritar no supermercado porque recebeu um “não”? 

É comum que alguns pais achem que a birra é uma maneira da criança de tentar manipular o adulto, o que não é verdade de acordo com a neurociência. Por isso, antes de tudo, é preciso entender que as birras fazem parte do desenvolvimento humano e, no caso das crianças, são uma maneira de elas dizerem algo que ainda não sabem verbalizar, porque não têm maturidade cerebral para expressar de outra maneira suas emoções. 

Esses descontroles emocionais podem acontecer por frustração, como no caso do chocolate, mas também por raiva, medo, fome e, o clássico dos clássicos, o sono.

O entendimento X a birra

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Pelo menos até os 4 anos, a criança usa mais seu cérebro primitivo, reagindo emocionalmente a situações estressantes. À medida que os anos vão passando, a região mais anterior do córtex pré-frontal vai amadurecendo, mas é somente por volta dos 25 anos que a parte mais racional estará completamente amadurecida. E, mesmo depois dos 25 anos, as birras continuam acontecendo: o que é um xingamento no trânsito ou um grito de raiva ao desligar o telefone com o chefe após uma reunião de trabalho estressante?

Depois de entender o que a birra significa, é preciso saber como lidar da melhor maneira com a criança naquele momento. Já sabemos que os cuidadores influenciam diretamente a forma como as crianças reagem. Isso também é explicado pela ciência: graças aos neurônios-espelho, um grupo de células que são ativadas no cérebro humano quando observamos outras pessoas, sabemos que as crianças copiam as atitudes dos adultos com quem elas mais se relacionam. 

Assim, em um momento de birra, por mais difícil que seja, é importante não entrar no mesmo fluxo das emoções e ser de fato o adulto da relação, ou seja, agir de maneira racional. Em vez de gritar mais alto, convém tentar manter a calma, o que ajudará, a longo prazo, a criança a internalizar esse aprendizado. 

“A birra infantil não é sobre agredir o adulto: é uma explosão emocional. Ela extrapolou as suas frustrações e está se manifestando fisicamente. Por isso, nesses momentos de pico não é aconselhado conter os movimentos da criança, que está descarregando o excesso de cortisol”, alerta Maya. 

Então, Como agir?

Também não é hora de argumentar ou dar sermão: a criança não tem capacidade cerebral naquele momento para ouvir o que você tem a dizer. Como agir então? Segundo a pedagoga, é essencial esperar o momento de a birra passar, ao lado da criança — ameaças de que vai abandoná-la ou sair de perto não ajudam em nada. Quando ela fizer novamente contato visual, significa que a poeira baixou, e a tentativa de reaproximação deve ser feita nesse momento. 

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O primeiro passo é validar aqueles sentimentos, ou seja, mostrar através de palavras que você entende o que ela está demonstrando de maneira emocional. Ou seja, em vez de brigar, experimente dizer: “Sei que você queria muito esse chocolate, entendo que você esteja triste por isso”. Só aí tente se reconectar com ela, com um abraço ou um beijo. 

“A criança deve saber que pode contar com o adulto quando as coisas vão bem e quando as coisas não vão bem. Seu papel ali é acolher e terminar o círculo da frustração. Pesquisas mostram há anos que, quanto mais segurança o adulto consegue passar, mais a criança ativa seu sistema nervoso e consegue se regular. Quando há um adulto cuidador realmente conectado e disponível, a criança sabe que o socorro vem em seguida”, afirma Maya.

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