Ícone do site Revista | Clube Quindim

Childfree: o movimento que exclui os filhos e as mães

Childfree

O termo Childfree significa “livre de crianças” e foi utilizado, a princípio, por pessoas adeptas de um movimento iniciado na década de 1970, nos Estados Unidos, que defendia prioritariamente o direito de optar por uma vida sem filhos.

A origem do movimento está na luta por métodos contraceptivos eficazes, de amplo e fácil acesso, procedimentos como laqueadura de trompas, histerectomia e aborto, além de educação sexual, porém, com o tempo, outras vertentes foram surgindo e o movimento se transformou.

Hoje, o principal do que se vê são pessoas que defendem a imposição de uma série de restrições ao convívio social de crianças, como a proibição do acesso e da permanência em determinados espaços (públicos e privados), além dos já conhecidos olhares recriminatórios, narizes torcidos e afins para comportamentos tipicamente infantis.

Neste artigo, vamos conversar a respeito dos diferentes pontos de vista sobre o movimento Childfree, o que dizem as pessoas que o defendem e também aqueles que são contra, além dos aspectos legais envolvidos na questão.

O que é e como surgiu o movimento Childfree

Como dissemos, inicialmente as bases do movimento Childfree eram totalmente compreensíveis e justas. A questão da maternidade compulsória leva a uma sociedade que estranha, julga, censura, isola e discrimina mulheres que não desejam ser mães.

Essas mulheres são vistas e tidas como incompletas, frias, incapazes de amar e serem amadas, além de taxadas de “fáceis”, pois supostamente não querem ter filhos para não se comprometerem com um parceiro fixo. Absurdos tão grandes que é difícil acreditar que ainda hoje tantas pessoas sigam compartilhando dessa mesma visão.

A decisão de ter ou não filhos é individual, particular, e pode ser motivada por inúmeras questões, mas todas elas dizem respeito apenas e tão somente a cada pessoa.

Presumir que toda mulher tem vontade de ter filhos e “nasceu para ser mãe” é generalizar personalidades, desejos e sonhos de uma grande parcela da população, além de fazer de conta que não existe uma realidade em que a imensa maioria das mães não conta com condições mínimas de se inserir e permanecer no mercado de trabalho depois de ter filhos.

Vale mencionar, também, que não há uma rede de apoio qualificada e bem estruturada para contribuir com todos os cuidados de que as crianças necessitam, e que milhares de bebês, todos os anos, são registrados sem o nome paterno em suas certidões de nascimento.

O problema é que, com o tempo, muitas pessoas que apoiam o conceito Childfree foram passando de “estou exercendo meu direito de não querer ter filhos” para “não gosto de crianças, não quero conviver com elas, não quero nem saber que crianças existem – mantenham suas crianças longe de mim”.

E aí é que está o nó! Cidadãos conscientes e críticos compreendem que é inadmissível fazer declarações desse tipo sobre qualquer outro grupo de pessoas da sociedade. Ou seja: uma pessoa que diz “não gosto de negros” é corretamente chamada de racista e deve ser punida como tal. O mesmo vale para quem diz “aqui não é lugar para pessoas com deficiência”, ou “homossexuais não são bem-vindos”, por exemplo.

Então, o que diferencia esses casos, tão absurdos, que devem urgentemente ser combatidos e punidos, da segregação que vem sendo praticada com crianças e, consequentemente, com suas famílias? Por que falar “eu não gosto de crianças” ou “aqui não é lugar de criança” se tornou aceitável para alguns?

Indo além e considerando a estrutura social em que vivemos, que delega os cuidados com crianças quase que integralmente às suas mães, tias, avós e cuidadoras, o que essa segregação está fazendo especificamente com as mulheres?

CHILDFREE: MOVIMENTO OU INTOLERÂNCIA?

Crianças não são “miniadultos” – crianças são seres em desenvolvimento. Mas, ainda que nenhum de nós tenha nascido adulto, essa parece ser uma informação esquecida ou ignorada por boa parte das pessoas. Por isso, assim como estão aprendendo a andar, falar, se alimentar e controlar suas funções corporais, crianças também estão aprendendo a conviver em sociedade.

Esse aprendizado se dá, também, fora dos muros da creche, da escola, das pracinhas e dos parquinhos frequentados por crianças e suas famílias. É nos ambientes com adultos fora do círculo familiar e de convívio próximo que os pequenos podem se desenvolver e aprender o que funciona ou não, além de quais são os limites na convivência com outras pessoas, especialmente desconhecidas.

Crianças choram, gritam, fazem bagunça e barulho. Durante um bom tempo, crianças também não têm nenhum controle sobre quando vão fazer xixi ou cocô. Todos esses comportamentos são normais e esperados para bebês, que ainda são iniciantes no domínio de suas faculdades físicas e mentais.

Não significa, no entanto, que crianças podem fazer tudo. Não é disso que se trata. Limites e acordos devem ser estabelecidos com clareza, desde cedo, para que a criança compreenda o que é aceitável e o que não é nas interações com outras pessoas. Essa relação é uma via de mão dupla, e cabe ao adulto que, em tese, é o mais maduro, conduzir a situação.

É claro que devem ser respeitados os limites legais e de segurança das crianças, mas, fora isso, restringir e até mesmo proibir seu acesso a determinados ambientes e situações é impor uma barreira ao desenvolvimento dessas pessoas.

Futuramente, elas podem vir a se tornar adultos com uma série de dificuldades de convivência. Afinal, quantos adultos mal-educados, desrespeitosos, egoístas e sem limites você conhece?

O que diz quem é Childfree

Além dos aspectos que já tratamos aqui, que de maneira alguma questionam o exercício do direito de não ter filhos, as pessoas que defendem o afastamento de crianças de situações diversas argumentam que querem paz, silêncio e privacidade.

Segundo elas, são muitas as opções de lazer e entretenimento para quem possui filhos, então nada mais justo do que uma pequena parcela dessas opções ser destinada exclusivamente aos adultos em busca de sossego. Que mal haveria, portanto, em um hotel que não aceita crianças? Ou em um restaurante que estabelece idade mínima para seus frequentadores?

Como já era esperado, esse ponto de vista rapidamente se transformou em uma demanda de mercado, que vem sendo prontamente atendida. Diversas empresas, como meios de hospedagem (que inclui hotel, hotel-fazenda, pousada, resort, apart-hotel, entre outros), restaurantes e até mesmo companhias aéreas passaram a oferecer mesas e assentos longe de bebês e crianças mediante pagamento de um valor extra.

Mas, ainda que se pague esse valor, isso validaria ou autorizaria automaticamente o direito de constranger e repreender a criança que fala, grita e faz barulho? E o que dizer sobre praticar esse constrangimento com seus pais e cuidadores?

A resposta é óbvia: é claro que não, mas isso acontece, e muito.

Falta de apoio e empatia: excluir as crianças é excluir as mães

Basta ser minimamente atento e bem informado para perceber que a imensa maioria dos cuidados com crianças recai sobre as mulheres. Quando não são as mães, são as avós, tias, professoras ou babás que, muitas vezes, deixam suas próprias crianças com terceiros para exercer, como profissão, as atividades do cuidado infantil.

Quando falamos em proibir ou restringir o acesso de crianças a determinados ambientes, é imprescindível pensar que os adultos que zelam por essas crianças também terão seu acesso prejudicado.

Com isso, pais e especialmente mães deixam de frequentar restaurantes, parques, praças, cinemas e teatros, entre outros locais, para evitar situações desagradáveis provocadas pela rejeição à presença dos seus filhos. Assim, a sobrecarga e a solidão maternas aumentam ainda mais.

Veja também: Rede de apoio: 10 dicas para criar um espaço de acolhimento para chamar de seu

Gestação x puerpério

Esse descaso com as mães se torna ainda mais curioso se pensarmos sobre como há uma mudança no tratamento às mulheres assim que os bebês nascem. Sabemos que não é uma realidade única, e que muitas gestantes são maltratadas de maneiras absurdas por toda a parte, mas façamos esse exercício para fins ilustrativos.

Durante a gestação, grávidas têm prioridade nas filas e assento especial no transporte público, mas basta a criança nascer para se tornar um “problema” única e exclusivamente da mãe. Gritou? A mãe não educa. Saiu correndo? Cadê a mãe dessa criança que não dá limite? Tem mais de um filho? Deve ser louca. Se forem de pais diferentes, então… Não existe empatia com mulheres, e muito menos se forem mães.

São raros os casos em que se estende a mão ou mesmo um olhar empático para as mães que estão tentando fazer uma refeição enquanto cuidam de seus filhos, ou que precisam sair mais cedo do trabalho ou demorar um pouco mais no almoço para acompanhar o pequeno a uma consulta médica.

Precisamos refletir e questionar, urgentemente, para onde caminha uma sociedade que rejeita a presença de crianças e torna as mães, suas questões e necessidades invisíveis.

O que diz a lei sobre a proibição do acesso e permanência de crianças

A Constituição Federal proíbe qualquer tipo de discriminação, seja por origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras características. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante a liberdade de ir e vir, acessar e permanecer em espaços públicos e comunitários, de maneira que qualquer proibição nesse sentido viola os direitos garantidos por lei a essa parcela da população.

A regra, no entanto, tem algumas exceções, como os lugares que claramente representam risco à integridade das crianças. Nessa categoria estão incluídas casas de jogo e casas noturnas, por exemplo, onde há consumo de álcool e de cigarro.

Como funciona a restrição na prática

Ainda que a lei seja clara no que diz respeito à garantia do acesso de crianças, o que se vê são companhias aéreas vendendo bilhetes mais caros em zonas childfree na aeronave, além de inúmeros restaurantes e hotéis indicando que a presença dos pequenos não é bem-vinda.

Estabelecimentos que sabidamente optam por infringir a lei tentam minimizar a situação informando o consumidor com antecedência, e da maneira mais clara possível, que crianças não são aceitas para “evitar qualquer tipo de constrangimento”.

Mesmo assim, é importante ressaltar que adultos que forem impedidos de acessar e permanecer em locais por estarem acompanhados de seus filhos podem e devem procurar o Ministério Público, o Procon ou a Delegacia da Criança e do Adolescente da sua cidade para garantir a proteção de seus direitos.

Sair da versão mobile