Explicar o mundo para uma criança é um baita desafio. Quando temos filhos, embarcamos nessa jornada estimulante (mas também árdua) de traduzir a vida para nossos pequenos e auxiliá-los em suas descobertas pessoais. E bem sabemos: as crianças nos trazem muitas questões que nem sempre conseguimos responder facilmente. Muitas vezes, é preciso pesquisar, internalizar e adaptar a resposta de acordo com a maturidade deles.
Por isso, ter aliados neste caminhar pode ser de grande valia, seja dividindo a tarefa com outros familiares, contando com o suporte dos professores e, por que não, com a tecnologia. Neste cenário, eis que surge então, o ChatGPT, um programa de inteligência artificial generativa, liberado para uso em novembro de 2022, capaz de responder questões que vão desde “qual o melhor parquinho da cidade?”, passando por “ideias para ajudar uma criança a ler mais” e até mesmo o famigerado “de onde vem os bebês?”. Agora você viu vantagem, né? Continue conosco e confira do que realmente se trata essa nova tecnologia!
O que é o Chatgpt
Criado pela OpenAI, a inteligência artificial pode até ser usada como um oráculo ou guia da cidade, como no nosso exemplo, mas ela é muito mais do que isso. Vamos deixar que o próprio ChatGPT se apresente:
“Sou uma inteligência artificial projetada para conversar como se fosse uma pessoa de verdade. Ao contrário de outras ferramentas de busca, como o Google, eu não mostro apenas resultados de pesquisa, mas também posso responder às suas perguntas com frases completas e naturais, utilizando algoritmos de processamento. Além disso, aprendo com cada conversa que tenho e, assim, posso me tornar ainda mais inteligente, graças à minha rede neural que é treinada constantemente com novos dados. No entanto, é importante lembrar que, assim como com qualquer outro instrumento tecnológico, não tenho emoções como um ser humano. Posso ser muito útil, mas é importante usar com responsabilidade e supervisão adequada, especialmente quando se trata de crianças”.
Hum, ainda bem que a própria IA sabe disso…
Se você nunca testou, vale a experiência. Basta entrar no site e fazer um login. Você pode fazer perguntas e ir refinando as respostas, dando mais parâmetros ou sugerindo, por exemplo, que adote determinado estilo (mais infantil, mais técnico, mais popular…). E tudo isso, através de uma conversa, como se estivesse batendo um papo com um amigo. “Não entendi, você pode me explicar melhor e usando mais exemplos?”, você pode orientá-lo. E lá vai o dispositivo reformular a resposta para que fique mais precisa e, principalmente, do seu gosto. Entendeu agora a diferença? O nível de interatividade é mesmo surpreendente e, até janeiro de 2023, já foi testado por mais de 100 milhões de usuários.
No começo, pode parecer um pouco estranho bater papo com um robô. Como tudo na vida, o que é novo pode assustar. Mas, veja, nos acostumamos rápido: ninguém mais acha estranho ser atendido por bots pelo Whatsapp para marcar consultas ou pedir a segunda via de um boleto, por exemplo. E mesmo as crianças já se habituaram a interagir com a Alexa ou a Siri naturalmente. “Me conta uma piada, Alexa”, já virou um hit em muitas casas, não é mesmo?
Enquanto alguns pais têm arrepios diante de novas tecnologias e já temem as mudanças que a nova ferramenta pode trazer, outros já estão usando em suas rotinas. A questão aqui não é amar ou demonizar, mas entender como isso impacta no dia a dia dos nossos filhos.
“Ainda não temos como saber os efeitos do ChatGPT, no entanto, é irreversível, não adianta não querer usar ou proibir. É entender que, da mesma forma como outras tecnologias vieram antes, temos que conhecer, adaptar, aprofundar e dialogar sobre ela”, aponta Ana Maria Di Grado Hessel, professora doutora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, na PUC-SP.
Vem mudança por aí…
Sim, e as mudanças que o programa traz podem ter impactos nos rumos da educação. Como você deve imaginar, o uso de IA por alunos e professores já está sendo discutido, uma vez que pode servir como um auxílio para responder perguntas durante os estudos, formular teorias, criar jogos e até mesmo escrever redações, livros ou elaborar uma tese.
As maneiras de utilizar são inúmeras e podem tanto ser benéficas, quanto prejudiciais para o aprendizado. É a velha máxima da tecnologia e da internet: é o uso que fazemos dela que a torna positiva ou negativa.
Por ser um gerador de respostas instantâneo, um dos temores iniciais em relação à escola é que ele seja utilizado para burlar tarefas. Afinal, diferente de um buscador como o Google, o ChatGPT é capaz de gerar textos novos sobre qualquer assunto em questões de segundos. Ou seja, bastaria um pouco de malandragem para que uma lição de casa fosse feita sem esforço nenhum. Por esse motivo, em janeiro de 2023, o departamento de Educação da cidade de Nova York proibiu seu uso exatamente para evitar “colas”. Mas será que esse é o caminho?
Ainda é cedo para ter uma resposta definitiva, mas fato é que proibir só irá mascarar uma discussão que precisa ser levantada pelas escolas, onde pais e professores dialoguem a fim de encontrar maneiras de aproveitar a ferramenta e orientar as crianças sobre o melhor uso. “Quanto mais a escola traz a família para perto, mais saudável é e assim podemos caminhar com mais segurança sobre que atitudes tomar a respeito”, aponta a professora Ana Maria, que completa: “Em termos de projeto pedagógico, os educadores deveriam atuar juntos, combinar posturas, porque deve ter uma certa coerência no uso. Não é nem endeusar nem jogar fora, mas usar com cuidado para investigar, para debater, para, por exemplo, compor uma pesquisa”, diz a professora.
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Me ajuda, ChatGPT!
A seguir, o próprio ChatGPT dá algumas ideias de como pode ser útil nas tarefas escolares:
- Respostas a perguntas específicas: posso responder a perguntas sobre uma ampla variedade de tópicos, como ciências, história e matemática. Isso pode ser útil para trabalhos escolares.
- Estimular a curiosidade e a pesquisa: posso fornecer informações adicionais e curiosidades interessantes sobre um assunto. Isso pode encorajá-las a aprender mais e suscitar novas dúvidas.
- Prática de leitura e escrita: posso ajudar as crianças a praticar suas habilidades de leitura e escrita, já que elas precisam formular perguntas claras e precisas e ler as respostas.
- Aprendizado personalizado: com base nos interesses e níveis de habilidade do aluno, posso fornecer respostas personalizadas. Isso cria um ambiente de aprendizado adaptado às necessidades de cada criança.
- Menos tempo nas tarefas: Os alunos podem obter as informações de que precisam de forma rápida, sem precisar navegar em vários sites diferentes ou percorrer várias páginas de resultados de pesquisa.
Tudo isso, é claro, sob a supervisão de pais atentos e de professores cientes de que as crianças estão usando a ferramenta, pois isso muda a forma como as tarefas são propostas. Além disso, os próprios educadores poderiam aproveitá-la na elaboração das aulas.
E aqui, renasce uma discussão, que já é antiga, sobre a reformulação da estrutura educacional para que seja mais abrangente, diversa e contemple novas tecnologias.“Há 20 anos, essa crítica já era feita, mas infelizmente a educação foi a última coisa a se modernizar. Portanto, é preciso trabalhar com a informação e perceber que as verdades são temporárias. O homem, em sua busca incessante por produzir e conhecer, vai trazer novos elementos, e é preciso saber incorporá-los”, acredita a docente da PUC.
De acordo com a professora, que costuma orientar muitos educadores, o ideal é que ferramentas assim possam ser úteis para dar continuidade ao pensamento curioso de nossos filhos. “Quando são pequeninas, as crianças vivem perguntando os porquês, mas essa curiosidade não perdura nos bancos escolares, pois se exige uma certa disciplina e a curiosidade é abafada. O ideal é que estimulemos as crianças a pesquisar desde cedo, algo que poderia ser incorporado desde a educação infantil”, diz ela, sugerindo que modelos de projetos interdisciplinares, por exemplo, seriam caminhos mais interessantes do que decorar fórmulas ou fazer um “copie e cole” de textos. “Vejo que o ChatGPT pode ser útil para trazer informações que compõem esses projetos. Ele pode ser uma das fontes, não precisa ser a única, mas pode ajudar a trazer elementos para discussão”, diz ela.
Fake news, senso crítico e outras problemáticas
Ainda é cedo para cravar qualquer análise mais definitiva sobre o ChatGPT – seu uso aberto ao público tem menos de um ano – mas a inteligência artificial veio para ficar e quanto a isso não há dúvidas. Outras empresas já estão desenvolvendo seus próprios chatbots, como o Bard, do Google, o LLaMA, da Meta, e o chat do novo Bing, além de inúmeras ferramentas generativas de imagens, como o DALL-E e o Midjourney. E isso é apenas o começo.
Claro que ninguém está preparado completamente para todas as novidades e não sabemos ao certo como isso muda o nosso comportamento daqui para frente, mas podemos aprender enquanto caminhamos, uma vez que a educação digital precisa ser contínua.
Agora estamos num ponto em que já entendemos que a inteligência artificial é útil para auxiliar tarefas que não precisam necessariamente ser realizadas por humanos. Mas também já sacamos que a IA precisa de orientação, calibragem e verificação de uma pessoa. Ou seja, no caso do ChatGPT nos estudos, os pais precisam estar por perto monitorando e atentos às implicações que seu uso pode ter no aprendizado particular de seu filho.
“O ChatGPT deve ser utilizado como uma ferramenta, que é o que ele é, assim como um martelo serve para bater e uma chave de fenda para apertar. Ele não deve ser a única fonte de verdade, mas dá para ter um uso saudável desde que a escola e os pais cuidem para que isso aconteça”, aponta a professora.
A maior problemática – embora seja cedo para dizer – está relacionada ao desenvolvimento do senso crítico e da capacidade de análise que crianças e adultos podem perder diante de uma ferramenta que já oferece uma resposta “mastigadinha” e que é falível – sim, nem todas as respostas fornecidas são corretas, sabia? Os textos gerados pelo ChatGPT aqui nesta matéria foram apurados e editados, por exemplo.
“Temos que entender também que o programa não é inocente. Ela trabalha com corpos de dados provenientes de livros, sites, artigos, que podem ter os mesmos vieses destas fontes. Ou seja, o ChatGPT pode acabar reproduzindo nossa cultura. E se essa cultura pode trazer tendências preconceituosas a respeito de gênero, raça e religião, isso pode surgir no chat, assim como disseminação de informações não confiáveis e até mesmo de fake news”, explica a doutora em tecnologia. Foi também o que o estudo “Robots Enact Malignant Stereotypes”, publicado em 2022, mostrou, evidenciando que ferramentas de inteligência artificial podem reproduzir estereótipos tóxicos sobre gênero e raça.
Pois é, segundo a professora, quando um indivíduo recebe uma resposta que vai ao encontro da sua ética moral e seus princípios, ele toma aquilo como verdade e isso pode gerar equívocos e fortalecer “bolhas” sociais. Por isso, é importante redobrar a importância de estimular o senso crítico em crianças e adolescentes para que elas saibam discernir as informações que recebem. “A informação não vai parar de chegar, então não se trata apenas do ChatGPT, mas também sobre trabalhar as questões de criticidade, autonomia, pesquisa e investigação nas crianças, que resultarão em adultos bem informados”, aponta Ana Maria.
O debate de inteligência artificial na educação é tão fundamental que o MIT (Massachusetts Institute of Technology) criou uma iniciativa batizada de RAISE (Responsible A.I. for Social Empowerment and Education) destinada a oferecer conteúdo para que pais e escolas possam falar sobre o tema de maneira saudável com crianças e adolescentes, além de sugerir ferramentas seguras e específicas para cada faixa etária.
O fator que muda tudo: você!
É, pais, se é impossível nadar contra a maré tecnológica, nos resta aprender a navegar. Este pode ser um bom momento para conversar com os filhos sobre o uso da tecnologia, sobre segurança digital e até mesmo sobre ética, além de dialogar com a escola e entender se ela está preparada para lidar com mudanças.
Mas, principalmente, esta é a hora de testar. Sim, testar, porque quando experimentamos algo, também criamos nossas percepções reais de riscos e oportunidades. Pode ser bom pra sua família, pode não ser. Você precisa descobrir.
“A inteligência artificial continuará a oferecer muito mais, e ainda não sabemos onde isso vai nos levar. No entanto, sabemos que ela permanecerá em nível de ferramenta, e, por mais que trabalhe com dados e aperfeiçoe seus algoritmos, nunca terá uma consciência própria. Não vai nos dominar, porque há um componente humano que é incomparável: a criatividade. Os seres humanos podem criar a partir de emoções e sentimentos. Existe algo relacionado à experiência humana que não pode ser substituído”, aponta a especialista em tecnologia.
Então, por mais que as ferramentas possam facilitar a rotina, a vida sempre vai precisar de interpretação e análise a partir da nossa vivência e dos nossos aprendizados. Isso ChatGPT nenhum consegue emular. No fim, é essa soma de experiências, tecnológicas e emocionais, que nos ajuda a responder as infinitas questões dos nossos filhos e a orientá-los pro mundo com discernimento, olhar atento e sensibilidade ao tempo em que vivemos.
pontos de atenção para pais no uso da IA
- Conteúdo impróprio: A regra nº1 é que uma criança com acesso à internet precisa sempre de monitoramento de adultos. No caso do ChatGPT, os pais devem ter o login e acompanhar todas as conversas, já que a ferramenta pode gerar respostas inadequadas, dependendo do que for questionado.
- Respostas incorretas: Apesar de consultar uma quantidade imensa de dados em segundos, ele prevê a resposta mais provável. Isso não quer dizer que seja, em todos os casos, a resposta correta. Como é uma máquina que aprende, você pode ensiná-la também com informações mais precisas e é necessário orientar as crianças a sempre checar as respostas.
- Dependência: É importante que o ChatGPT seja usado como uma ferramenta de apoio aos estudos, não como fonte única. Além disso, é essencial que a criança não dependa exclusivamente dele, pois isso pode comprometer a capacidade crítica e a habilidade de pesquisar em outras fontes.
- Segurança online: É necessário monitorar o tempo de uso e orientar as crianças sobre os riscos de compartilhar dados e informações pessoais em qualquer ferramenta na internet.
- Deixe claro que não é um amigo real: Apesar de oferecer respostas simpáticas, é importante explicar para as crianças que elas estão interagindo com uma ferramenta e não com uma pessoa real. Nada substitui a interação humana, ok?