Censura, pessoas que desapareciam, violência praticada impunemente por agentes do estado, proibição no campo das artes e da educação e ausência de vias democráticas para escolher um representante político. Essas características assustadoras fizeram parte do período da ditadura militar brasileira, que vigorou entre 1964 e 1985. Na época, nem todo mundo sabia o que estava acontecendo – e infelizmente até hoje muitos não compreendem a gravidade do que se passou –, mas é importante relembrar esse triste capítulo da história do país e de suas vítimas. Ao longo do período, foram mortos mais de 8 mil indígenas em massacres, remoções de territórios, prisões, torturas e maus-tratos.
Trata-se de um tema difícil de abordar, que exige muita delicadeza, e que inspirou obras como Clarice, livro que integra a seleção do Clube Quindim de dezembro. O livro foi escrito por Roger Mello e ilustrado por Felipe Cavalcante, que ganhou o Prêmio Jabuti 2019 pelo projeto gráfico desse livro (e que além disso, é o artista que assina a identidade visual do Quindim). A obra apresenta uma personagem que vivencia a ditadura militar de sua perspectiva de criança. Com angústias e curiosidades, procura entender a opressão que a cerca, assim como o desaparecimento de pessoas queridas e a censura.
A obra pode ser uma excelente oportunidade de apresentar esse assunto às crianças. Mesmo que pareça difícil tratar de um tema que envolve violência e mortes, é essencial que os pequenos possam se familiarizar aos poucos com passagens críticas da história do país. Isso contribui para a consolidação de sua identidade e também para discutir e transmitir valores como liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos. Além disso, o desrespeito a esses princípios, infelizmente, nos ronda de tempos em tempos. E alguns perigos podem adquirir várias formas, como é o caso da censura. Quer ver?
Um vilão de muitas formas
Muito se fala sobre censura, até nos tempos atuais. Mas nem sempre se tem certeza do que ela significa e, consequentemente, dos múltiplos papéis que ela pode encarnar. Em regimes ditatoriais, ou seja, que são impostos e não abrem opções democráticas de escolha, é comum que a censura seja empregada para que não haja críticas ao regime. No regime militar brasileiro, alguns atos institucionais produzidos pelos militares alteravam a constituição para que se acirrassem os limites da imprensa e os artistas. Eles também asseguravam que o congresso, as assembleias e as câmaras de vereadores permanecessem em recesso, deixando apenas o presidente como responsável e com o poder cabível para legislar e tomar decisões.
O AI-5, ato institucional de 1968 considerado o mais cerceador, previa que as pessoas podiam ter seus direitos políticos suspensos. O que significa perder o direito de votar, ser proibido de atividades ou de manifestar-se politicamente e ainda podendo ficar com liberdade vigiada ou em domicílio determinado. Com novas leis e edições do AI-5, a imprensa foi ficando cada vez mais controlada. Jornais foram fechados e, em outros deles, instalava-se uma equipe de censores para que decidissem o que podia ou não ser publicado. Na televisão não foi muito diferente: censores praticamente reescreviam trechos de novelas, por exemplo, e chegaram a proibir algumas delas.
A censura velada
É importante pontuar, contudo, que mesmo sem equipes de censores para avaliarem canções ou obras literárias, há a censura velada que se instala pouco a pouco em uma série de regimes, inclusive naqueles que não são abertamente ditatoriais. Acontece, por exemplo, quando um governo não autoriza a exibição de um filme específico sem motivos efetivamente consistentes. Pode haver ainda o que se chama de “censura econômica”, quando não há liberação de verba ou permissão para captação de recursos a determinada obra por motivos ideológicos.
Em um mundo tão diverso, com tantos pontos de vista e estudos defendidos em tantas áreas do conhecimento, pode ser uma forma de censura também querer restringir o acesso de uma escola ou de uma biblioteca a certas correntes acadêmicas. É o que se vê, por exemplo, quando alguns grupos religiosos não querem permitir que estudos de gênero cheguem às escolas. São formas sutis de proibição que cerceiam a liberdade das pessoas, e que devem ser assistidas por nós e pelas novas gerações.