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Anti-intelectualidade: o fenômeno que os pais de hoje terão que enfrentar

anti-intelectualidade

Você já ouviu falar em anti-intelectualidade? Esse sentimento é marcado por certa hostilidade ao conhecimento, à Ciência e a tudo aquilo que é produzido por intelectuais. Não surgiu hoje: durante o nazismo na Alemanha, por exemplo, era comum que se criticassem intelectuais e pessoas dedicadas ao ensino e à pesquisa, porque se entendia que eles não tinham função. Queimar livros e obras culturais também são marcos de momentos históricos como esse. Além disso, o jornalista Philipp Lichterbeck lembra que o fanatismo religioso fomenta o cenário, e dá o exemplo da passagem da Inquisição, em que havia forte sentimento de anti-intelectualidade, e em que ter conhecimento já era suficiente para que uma pessoa fosse acusada de blasfêmia pela Igreja Católica.

Hoje, na era das opiniões inflamadas nas redes sociais e das fake news, muitos pensadores têm falado que este é o tempo da anti-intelectualidade. Basta pensar que temos visto circularem ideias que vão na contramão da Ciência e do conhecimento formal – por exemplo, cresce o número de pessoas que acreditam que a Terra é plana, em vez de redonda, que questionam a eficácia das vacinas e a Teoria da Evolução de Charles Darwin.

Também vemos uma desvalorização de artistas, professores e pesquisadores, e críticas a programas de governo ou leis de fomento dedicados a incentivar a cultura e a arte no país. Filósofos, sociólogos e jornalistas têm relacionado esse movimento de anti-intelectualidade a alguns fatores, que abordamos a seguir.

Instrumentalização da educação

A socióloga Esther Solano atribui esse momento ao tipo de educação perpetuado no Brasil, que é focado em formar trabalhadores, que é técnico e esquece o aspecto político, segundo ela. O escritor austríaco Otto Maria Carpeaux, muito antes, em 1940, afirmava que a violência anti-intelectual que vinha das novas classes médias na época era fruto de uma falsa educação. Como consequência, além de uma desvalorização da intelectualidade, muitos brasileiros acabam não sendo ensinados a lidar com o diferente, apresentam uma dificuldade de convívio e de aceitação do outro, ao que Esther diz: “Vemos pessoas com ensino superior completo que dizem barbaridades e podem ser muito intolerantes”. Para ela, a tolerância é consequência de uma educação crítica e política que forme cidadãos aptos a respeitarem as diferenças.

Acirramento de opiniões nas redes sociais

Pesquisadores do ciberativismo e da cultura nas redes, como é o caso de Magaly Prado, dizem que as redes sociais deram voz a quem nunca antes pôde se manifestar ou disseminar sua opinião. Por outro lado, as redes sociais têm algoritmos, que são sistemas de funcionamento condicionados para selecionar o que cada pessoa vê de acordo com os interesses que ela demonstra. Assim é que surgem as “bolhas”, essa sensação de que cada pessoa habita um espaço em que só circula um tipo de opinião. Novamente, há pouco convívio com o diferente e um espaço fértil para que se disseminem e se fortaleçam ideias falsas, lendas urbanas e informações sem fundamento científico. Vencer discussões se torna mais importante que construir um diálogo com escuta e troca concreta de ideias – o que, por si só, já depõe contra o conhecimento formal.

Desvalorização da cultura

Em um mundo em crise e com uma educação mais técnica do que política, estimular o pensamento crítico parece desimportante. Busca-se mais o que tem aplicação prática, o que pode servir para alguma coisa. As artes plásticas, o teatro, o cinema, a literatura e todas as manifestações artísticas têm a potência de abrir nossos horizontes e desenvolver empatia, mas não têm exatamente “utilidade”. Dessa forma, são vistas como irrelevantes num contexto de anti-intelectualidade.

Descrença no jornalismo tradicional

Como o pesquisador Sergio Sismondo, entre muitos outros, diz, vivemos a era da pós-verdade, em que as fake news, as teorias da conspiração e as informações sem fundamento científico ou sem fonte determinada que circulam por grupos de WhatsApp e redes sociais têm mais valor do que as reportagens realizadas por jornais. Governos conservadores pelo mundo também têm atacado a imprensa como tendenciosa e que reproduz fake news, o que gera um clima de desconfiança entre as pessoas. Para o chanceler de Portugal Augusto Santos Silva, as fake news são perigosas porque, ao contrário do jornalismo, confundem propaganda e informação, não distinguem boato de notícia e misturam fatos com opiniões. Com o fortalecimento da desinformação que temos visto, sofrem um enfraquecimento, por outro lado, o jornalismo e o campo da pesquisa acadêmica, principalmente os espaços das universidades, que, de acordo com Augusto Santos Silva, são dois pilares fundamentais para a democracia.

Crise econômica

O escritor Ferréz e a socióloga Esther Solano apontam que é comum que a crise econômica, a perda de emprego e de poder aquisitivo – recorrentes no país hoje – causem desespero e frustração. Com isso, percebemos pessoas de diferentes classes sociais buscando culpados para esses problemas, o que intensifica o ódio e a discriminação contra as minorias, por exemplo. Alguns discursos conservadores relacionam a crise a investimentos feitos em arte e cultura, fazendo crescer o sentimento de anti-intelectualidade. Por fim, a crise leva, ainda, a uma descrença na política tradicional. Essa frustração, de acordo com a socióloga, alimenta um cenário em que políticos menos experientes e menos ligados às áreas do conhecimento formal se sobressaiam.

A saída é a educação

Para a socióloga Esther Solano, a alfabetização digital, ou seja, que ensine as pessoas a buscarem na internet informações confiáveis e calcadas na Ciência, é fundamental para combater as fake news e o discurso de ódio tão recorrentes nas redes hoje. De forma geral, a educação e a leitura são poderosos antídotos contra a descrença no conhecimento, e vão ser essenciais no preparo das novas gerações diante das adversidades deste mundo.


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