Quando estava grávida, bem pertinho do nascimento da minha filha, meu obstetra me disse para não me preocupar pois eu nasceria com ela. Essa frase aparentemente simples, mas tão potente e profunda, me abraçou e assustou de muitas maneiras. Como assim eu vou nascer com ela? Pois, então, eu não existia antes? Ainda hoje, cinco anos depois, constantemente descubro novas dimensões e reflexões sobre isso.
Mas e sobre a solidão materna? Como funcionam as situações em que jamais estamos sozinhas, nem mesmo no banheiro, ao mesmo tempo em que parecemos estar isoladas em um mundo apenas nosso?
Muitas versões diferentes de solidão
A solidão materna pode começar muito antes de o bebê nascer. Mulheres que não recebem apoio da família depois de descobrir a gestação, que não se sentem amparadas em seus empregos por seus chefes e colegas de trabalho, e até mesmo aquelas que são as primeiras a gestar em um grupo de amigas, irmãs e primas podem se sentir muito sozinhas.
Depois do nascimento do bebê, essa solidão pode se intensificar muito. Agora, há um círculo social em torno da nova mãe que tem dificuldade de compreender por que ela não consegue ter uma vida tão ativa quanto antes.
Os amigos que ainda não passaram pela experiência de ter filhos podem reclamar que a mãe está chata e que agora só fala sobre isso, que não consegue mais ir a um barzinho e muito menos sair para dançar.
Os que já têm filhos, mas que são crianças mais velhas, estão em outro momento da vida e, por isso mesmo, experimentam outras demandas e desafios. Aqui, a solidão materna pode se apresentar na sobrecarga de arrumar as malas de viagem e pensar em todos (todos!) os cenários possíveis para escolher as roupas, separar medicamentos e brinquedos. Mas ela está lá, sem dúvida.
Não podemos deixar de pensar, também, nas mães dos bebês prematuros que passam meses internados no hospital antes de poderem ir para casa, e nas mães atípicas, que lutam por diagnósticos para seus filhos, muitas vezes antes mesmo do parto.
São muitos cenários distintos, e muitas solidões.
Por que a solidão materna acontece
Além de tudo o que já citamos, a solidão materna pode decorrer também do fato de que a mulher está passando por uma enorme e profunda transformação em todos os campos da sua vida.
Vamos fazer o exercício de imaginar o seguinte: uma mulher está em um relacionamento sólido e feliz, teve um bebê planejado, e tanto a família dela quanto a do(a) companheiro(a) aguardaram muito por esse momento. Colegas de trabalho e gestores deram todo o apoio durante a gestação e não há nenhum risco de demissão depois de retornar da licença-maternidade.
Amigas, irmãs e primas oferecem ajuda, a rede de apoio não é invasiva, amigos compreendem o momento pelo qual ela está passando, demonstram seu apoio e tudo corre muito bem.
Parece o cenário perfeito, não é? Mas, ainda assim, essa mãe se sente sozinha. As madrugadas são longas, e mesmo que haja uma profunda e harmônica conexão com o bebê, tudo é novidade. Amamentar é natural, mas não é fácil, a privação do sono é dificílima de lidar, há muitas dúvidas sobre o que e como fazer, e parece que todas elas recaem sobre a mãe (e, na maioria das vezes, é isso mesmo).
Com a passagem do tempo, o bebê vai crescendo, e a solidão, mudando de forma. Faltam oportunidades para conversar com adultos sobre assuntos diversos, jogar conversa fora sobre qualquer bobagem, aliviar um pouco a carga que é ser responsável por manter outro ser humano vivo, ainda que essa tenha sido uma escolha e que não exista amor maior.
Tudo se transforma com a chegada de um bebê. Não é só a relação da mulher com a criança, mas antes disso, é dela consigo mesma, com seu trabalho, sua família e amigos e também no casamento. Não à toa os índices de separação dos casais durante o primeiro ano após o nascimento de um filho são altíssimos.
A dinâmica do casal muda totalmente, e é preciso muita parceria, diálogo e jogo de cintura para lidar com isso. Com poucas horas de sono, uma casa de pernas para o ar e um bebê que chora sem parar e sem motivo aparente, é raro que o relacionamento não sofra.
A rede de apoio, tão importante para quem tem crianças, tem a difícil tarefa de ajudar e acolher sem impor. Uma mãe recém-nascida (principalmente, mas isso vale para mães de crianças de todas as idades) não deve ter sua maternidade questionada, diminuída ou invalidada.
Com exceção de casos extremos em que há maus tratos às crianças e negligência, acredito que genuinamente todas estão fazendo o melhor que podem. Por isso, não é porque aquela tia do marido criou seis filhos e ajudou a manter outros dez vivos que ela sabe tudo, ou sequer que sabe mais, e menos ainda que sabe tudo o que há para se saber sobre o seu bebê em específico.
As dificuldades com as mudanças pelas quais o corpo passa, como mamilos rachados e que sangram, a cicatriz da cesariana que pode ou não inflamar, a queda de cabelo, estrias e muito mais são reais, e não devem ser menosprezadas ou tratadas como frescura.
A jornada é individual, e cada mãe somente poderá caminhar com seus próprios passos, mas ela não precisa estar sozinha ou isolada durante a jornada.
Veja também: 10 dicas para mães de primeira viagem que vão ajudar na gestação e na maternidade.
A solidão materna e a carga mental
Muitas questões sobre a solidão materna dizem respeito à carga mental, que é o trabalho invisível e solitário das mães. Lembra do exemplo do preparo da mala de viagem? Essa é uma situação em que o companheiro ou companheira da mãe não só pode como deve atuar, para que ela não fique sobrecarregada por absolutamente todas as decisões que dizem respeito aos filhos.
Aliás, não precisamos nos resignar à solidão materna e aceitá-la a todo custo. Uma mãe pode e deve pedir auxílio à sua rede de apoio, e dizer o que precisa sem ser julgada por isso. Mas, aqui, vale lembrar: pais não são rede de apoio. São pessoas igualmente responsáveis pelo cuidado com a criança. Homens precisam se reconhecer como pais atuantes, não ajudantes. É preciso transformar a paternidade para que os homens passem a agir como corresponsáveis pela criação de seus filhos, e não como espectadores passivos, prontos para apontar o dedo para a mãe assim que a menor coisinha der errado.
A solidão materna virá. Mas muito do que causa essa solidão pode ser minimizado com um entorno mais compreensivo e acolhedor, com pessoas realmente dispostas a ajudar e apoiar sem julgamentos.
E isso passa pelo mundo, como um todo: desde o vizinho que compreende que um bebê chora de madrugada e não reclama com o síndico, até empresas que flexibilizam a presença das mães que acompanham seus filhos a consultas médicas ou apresentações de fim de ano na escola sem puni-las por isso. Restaurantes e outros estabelecimentos que acolhem mulheres com filhos, calçadas planas por onde circular com um carrinho de bebê, vagas afirmativas para mães e muito mais.
Vale ressaltar aqui que a maternidade não é algo pasteurizado, que deve se encaixar em um único modelo. A mãe que fez cesariana não é menos mãe nem menos mulher. A mãe que deu mamadeira não é menos mãe nem menos mulher. A mãe que adotou não é menos mãe nem menos mulher.
É preciso refletir e agir: quanto da solidão materna é responsabilidade sua, nossa?
Mesmo com apoio, a solidão é quase inevitável
Essa, talvez, seja a parte mais difícil de lidar no que diz respeito à solidão materna. Você pode estar muito bem acompanhada, amparada por todos os lados, totalmente apaixonada pelo bebê, mas a solidão virá.
Ela virá nas madrugadas insones, preocupada com o futuro, se há fraldas suficientes no armário, se aquela pintinha que apareceu atrás do joelho direito da criança é normal ou se ela está com catapora e só você ainda não sabe.
A solidão virá quando você estiver cortando unhas minúsculas de dedos também minúsculos, acarinhando a cabecinha do bebê enquanto ele mama, lavando a louça enquanto balança o carrinho com um dos pés.
A solidão de carregar, a solidão de parir, a solidão de amamentar. A solidão de tomar decisões pequenas e grandes, imensas, que muitas vezes serão tomadas somente por você. A decisão de não dar doces até o bebê completar pelo menos dois anos de idade, a decisão de não deixar participar da noite na escola aos cinco anos de idade, a decisão de colocar no judô, e não no ballet.
A solidão que vem de todas as escolhas que você faz pela criança, até que ela tenha idade o bastante para fazer escolhas por si mesma.
A solidão de peitar médicos, avós, companheiro, porque você sabe, você simplesmente sabe, você tem certeza absoluta de que tem alguma coisa que não está certa com o seu bebê, mas ninguém acredita até fazerem um exame e, olha lá, você tinha razão (mas não queria ter).
O tempo passa. A solidão, não. Os filhos crescem, a solidão muda, às vezes até aumenta, mas ela está sempre lá. Olha que ironia, a solidão vira sua maior companhia. Se você trabalha fora, a solidão se faz presente quando você é julgada por ter se atrasado ou faltado quando o filho ficou doente.
Se você trabalha em casa (porque, afinal, toda mãe trabalha e trabalho de casa não se faz sozinho), a solidão se apresenta mesmo no barulho da casa com crianças, na roupa empilhada que não foi guardada e talvez nem seja, na impossibilidade de fazer cocô sozinha e no banho que tem uma plateia cativa.
A solidão virá quando você comprar uma roupa para si mesma pela primeira vez desde que se tornou mãe. Virá quando você fizer uma refeição ainda quente, sem mãozinhas ou boquinhas que querem e precisam, desesperadamente, compartilhar tudo de você o tempo todo.
A solidão virá na noite que seguia tranquila, em que aparentemente sem motivo você acordou, decidiu se levantar silenciosamente e foi dar uma olhadinha na criança que dormia pesado. Ela virá quando você tocar a testa de seu filho e descobrir que ele estava com febre sem que ninguém percebesse, e é ela, a solidão, que fará companhia até o amanhecer, enquanto você medica, mede a temperatura a cada quinze minutos, e nina seu filho até decidir se é o caso ou não de correr para a emergência.
Talvez o que nós, mães, acabamos por descobrir, mais cedo ou mais tarde, é que pode ser uma boa alternativa acolher a solidão. Conversar com ela, descobrir de onde veio e por que, entender por quanto tempo pretende estar ali. E, depois, abrir a porta e as janelas, convidar que se retire e dizer tchau.
Aliás, tchau não. Diga até logo. Porque a solidão virá. Só não permita que deixe de ser visita e passe a ser moradora de você.
Que texto lindo, me emocionou!